Eles não fazem nada à toa. Entre bases sessentistas, mergulhos contemporâneos e manifestos políticos, Liniker e os Caramelows se firmam na nova safra de bandas nacionais. Após o lançamento do EP Cru, em 2015 – que explodiu na internet, a vez, agora, é do primeiro álbum da banda: Remonta. Com a produção assinada por Márcio Arantes, o Caramelows é formado por Rafael Barone, baixo, William Zaharanszka, guitarra, Pericles Zuanon, bateria, Márcio Bortoloti, trompete e Renata Éssis, backing vocal. O disco traduz o amadurecimento e a reafirmação da banda dentro do cenário independente.
O álbum preza pelo orgânico. Fala de amores. Expande para o universo político. O Remonta traduz para a Liniker, nada mais nada menos do que um ato político. “Eu acho que qualquer coisa que a gente, enquanto pessoa negra, enquanto bicha trans ou uma mulher trans faz é um ato político. Hoje, eu consigo falar dos meus amores, mostrar que eles também são formas da gente se abrir politicamente. Para que eu pudesse escrever o disco isso era uma coisa muito fundamental”, explica a vocalista.
O disco que contou com um projeto de financiamento coletivo do Catarse permitiu também que a resistência dentro do cenário independente fosse a essência do álbum. “Esse disco foi pra gente se afirmar e mostrar que vamos estar em todos os lugares, em palco grande, lançando discos, na mídia. É um momento de tornar isso uma luta. Mostrar que não se está cansado da luta. Estamos pra se colocar no mundo cada vez mais”, ressalta.
Em 2015, os clipes lançados no Youtube atingiram mais de um milhão de visualizações. O inesperado acontecia, mas a vontade de ser cada vez mais sólido estava intrínseca à Liniker e os Caramelows. “As pessoas começaram a saber o que a gente é e ter a ideia da nossa trajetória musical porque entendemos que o nosso pé precisava ficar no chão, que nutrimos nosso trabalho com amor e nada de ego valeria”. A reação do público, além dos números, configurou a vocalista dos Caramelows como referência de empoderamento e desconstrução de paradigmas. “O movimento se confirma. Somos juntos para as pessoas verem que não estão sozinhas, que tem várias pessoas no mundo que passam por coisas semelhantes e diferentes, e que estão aí. A gente se espelha mesmo. Assim como eu tenho várias referências que me inspiram, as pessoas terem me tornado um ponto de vista a ser escutado é muito importante. A grande questão é essa: nosso firmamento cada vez mais.”, salienta Liniker.
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Ela, filha de músicos e aspirante às cênicas, enxergou as influências ao longo da sua trajetória como uma “fonte de vida que possibilita a abertura para o mundo”. E, partindo desse pressuposto, a banda incorporou um novo tipo de linguagem. A formação em bandas anteriores, as referências pessoais e até as mais clássicas cantoras garantiram uma construção muito singular no que diz respeito ao fazer música. “A partir do momento em que a gente se encontra, somos muito interferidos um pelo outro. Cada um deles pensa comigo, propõe linguagens, propõe caminhos. É muito importante. Não acontece se não tiver todos”, conta.
No meio dessa ebulição, a criação se concretiza: Liniker ressalta “Respirar enquanto se escuta”. Para os recifenses, uma outra oportunidade de entrar em contato com essa nova linguagem da música brasileira. Liniker e os Caramelows sobem ao palco do Baile Perfumado nesta noite de sexta-feira. A sensação da banda não podia ser outra: “Até hoje, a gente lembra muito daquele carnaval. Foi incrível pra gente! Queremos voltar muito”, finaliza o baixista Rafael Barone.
A Revista O Grito! bateu um papo com Rafael Barone, baixista dos Caramelows, sobre o disco, as sensibilidades e novidades da banda. Ele, que está no projeto desde o final de 2014, começou na guitarra, passou a experimentar o baixo e de lá nunca mais saiu.
Entrevista Rafael Barone – Liniker
Como foi o processo de realização do Remonta? A banda aproveitou o pontapé inicial do EP ‘Cru’, mas atribuiu novas roupagens para as músicas. Quais foram as principais adequações e mudanças realizadas?
Bom, esse álbum, o Remonta, está na cabeça da Liniker desde que ela começou a escrever as músicas, quando tinha 16 anos. A gente se conheceu no final de 2014 e tinha algumas ideias que já estavam um tanto prontas na cabeça dela. O “Cru”, na verdade, foi um momento dentro do processo do Remonta, um momento de experimentação, de muito teste de linguagem. Saber para onde a gente estava indo ou que é essa linguagem que estávamos pensando e criando. Em julho deste ano, sentamos para fazer o álbum. Mas já tínhamos feito uma circulação de seis meses com oito das treze músicas que foram para o Remonta. O momento foi de sentar com Márcio Arantes, produtor do álbum, e ele reeditar cada uma dessas músicas. Ele veio com a ideia de trazer um fio condutor, a coluna vertebral do álbum. Então, tiveram as adaptações de arranjo, melodia. Todas as alterações que a gente fez foi em cima de conversas com o Márcio.
A produção dele [Márcio Arantes] deu um ar de intensidade no Remonta?
Sim, com certeza. Ele trouxe toda essa questão de tirar umas arestas que a gente tinha, alguns vícios que a gente trouxe como músico e trazer uma unidade geral para o álbum. Trazer uma textura sessentista, mas com uma cara muito contemporânea. O Remonta conseguiu ser mais atual, tem uma linguagem mais forte, tem mais chão. E acho que tem muito a ver com isso, com esse nosso amadurecimento como grupo. Penso que as próximas gravações que vamos fazer vão ser diferentes de novo. Ninguém tem essa pretensão de criar uma regra e seguir ela.
Como funciona o processo de composição das músicas? Há uma liberdade de produção ou tudo já estava pré-moldado na cabeça da Liniker?
Normalmente, a Liniker chega com uma letra. Algumas vezes, ela chega com a letra e uma proposta de harmonia (ela toca violão), e aí tem o direcionamento. Mas a gente sempre tem a liberdade de colocar nossa personalidade nas músicas. Tem música que chega assim e fala: – ah, essa música é um sambinha para tocar no churrasco de família no domingo e, simplesmente, funciona. Algumas outras, é preciso chegar com algo mais claro.
“Liniker é coisa fina pra ouvir e pra dançar”, como vocês alinham isso nos arranjos e nas composições das músicas? O que seria ouvir e dançar pra vocês?
Acho que isso vem muito do flow das músicas mesmo. Quando a gente pensou esses arranjos, estávamos testando, ouvindo, sempre muito abertos a jogar tudo fora e recomeçar. E aí tem muito disso. A Liniker chega com algumas músicas que já têm o lugar para onde queremos ir. O Márcio Arantes também colocava a questão de “pra onde vamos transportar o ouvinte com essa música, sabe?” Qual vai ser a textura, qual é o tipo de ritmo, que tipo de instrumento a gente vai trabalhar, a pressão, o andamento. Teve muito teste, também. Então, essa coisa do dançante é muito da proposta inicial mesmo, de tentar refinar uma ideia de arranjo pra chegar ao resultado esperado.
O que o disco representa musicalmente falando?
É um retrato dele. Com todas as nossas influências em música brasileira e contemporânea, da música independente brasileira, da música preta brasileira, ele é um retrato desse momento. O Remonta traduz muito do que a gente sente hoje. De uma forma positiva e propositiva, acho que mais do que um retrato é uma proposta. É o Remonta. É o vamos nos desconstruir, mas desconstruir para buscar um caminho, uma alternativa. Propor solução. Cada vez mais queremos estar falando sobre música, debatendo, colocando em cheque. ‘Tamo’ aí para crescer juntos.
Em relação à música negra, ao soul, como essas referências possibilitaram a construção do disco? Isso vem muito da Liniker ou é a banda como um todo?
Todo mundo procurou muita referência, um negócio de imersão mesmo. Desde setembro do ano passado, depois de lançar o EP, fechar à produção e começar a trabalhar nas outras músicas que colocaria na turnê e depois no Remonta, a gente vêm muito num trabalho de pesquisa. Muito Cassiano, Curtis Mayfield e entendendo tudo isso como referência. A gente procurou fazer mesmo esse trabalho de pesquisa em cima do que a gente queria chegar. Estudo individual dos instrumentos, de incorporar linguagem mesmo.
Como é essa relação pessoal com a música preta?
É um desafio. Quando a gente está falando da música preta brasileira, não se fala só de ritmo, de harmonia, estamos falando de uma cultura, de uma vivência, uma experiência, que nós brasileiros temos muito, de forma geral. É mais que música, é uma expressão. Então, é sempre um desafio para a gente compreender muitas vezes.
Como foi pra vocês ver que Liniker e os Caramelows se tornou referência no cenário musical independente do Brasil?
Primeiro, foi um tanto pirante. A maioria de nós já esteve em outros projetos, ralou muito, trabalhamos para caramba pra pagar as contas e é muito gratificante ver que, agora, posso dedicar 100% do tempo para minha paixão, trabalhar exclusivamente com isso. Essas visualizações, a repercussão do público, é a confirmação de que o trabalho bateu na galera, que vamos dar uma continuidade a esse processo. Ao mesmo tempo em que conseguimos essa projeção, a gente sabe muito bem como é o cenário da música independente no Brasil, sabemos a trajetória de todos os nossos parceiros, de todo mundo que divide palco conosco e entende-se que é uma grande responsabilidade ter uma voz, hoje, que é ouvida por muita gente, né? Responsabilidade de conseguir abrir um pouco mais esse terreno. Tenho certeza que só podemos ter uma carreira no independente hoje por conta de vários artistas que foram capinando esse terreno difícil.
A banda acabou por se tornar, além de referência na música independente, um grande símbolo de quebra de paradigmas sobre gênero e sexualidade. Liniker e os Caramelows se configuram em atos políticos?
Com certeza. Não estamos inventando a roda, tem muita gente que está batendo nessa tecla há um tempo. Mas com essa projeção, temos essa responsabilidade de bater de frente com que precisa bater e de está levantando essas bandeiras. A bandeira da questão racial, a questão da mulher, a questão do LGBT.
E sobre os projetos futuros?
Estamos sentindo. Agora, vamos começar a fazer os clipes do disco. Sentindo como o Remonta está soando e continuar fazendo shows do lançamento do CD vivendo, né?