Adolescência é fogo. Uma época em que tudo se potencializa e vira combustível para um amadurecimento emocional e ético (mas não sem percalços e um monte de mancadas). Esse rito de passagem tão importante na vida das pessoas já foi retratado de diversas maneiras pela literatura e pela cultura pop como um todo. Conhecidos como “romances de formação”, essas obras nos conectam com essa fase de descobertas e nos ajudam a compreender melhor o quanto a vida é complexa, sinuosa, mas sempre emocionante. Uma Irmã, do francês Bastien Vivès, chega ao Brasil pela editora Nemo como um exemplar legítimo dessa temática.
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O livro mostra a história do garoto parisiense Antoine, 13 anos, que passa suas férias de verão em uma propriedade da família no litoral da França. Ele tem sua vida transformada com a chegada de Hélène, uma garota três anos mais velha que ele que acaba despertando desejos e emoções típicas da descoberta do amor.
Explorando suas próprias memórias, o autor atua nesta obra em um campo que fica muito próximo da autoficção e da autobiografia. Antoine tem muitas semelhanças com o próprio Bastien, o que torna esta HQ um trabalho bem mais pessoal que seus livros anteriores. “A adolescência é um luxo para falar sobre os sentimentos adultos, e como são vividos pela primeira vez, tudo é amplificado”, explica.
Autor nascido em 1984, Bastien Vivès ganhou o prêmio de Revelação no Festival de Angoulême em 2009. Um de seus livros mais conhecidos é O Gosto do Cloro, lançado no Brasil pela Leya/Barba Negra, em 2012. Para este novo Uma Irmã, ele apostou em um traço mais minimalista, bastante próximo de um esboço. Isso trouxe um outro tipo de envolvimento ao leitor, provocando uma imersão ainda maior. A narrativa também explora uma atmosfera erótica e emotiva que ficam mais contundentes com essa característica do desenho.
Entrevistamos o autor por e-mail para saber mais do processo de criação de Uma Irmã e também temas como o momento atual da HQ francesa e sua educação sentimental com os quadrinhos.
Como nasceu a ideia de “Uma irmã”?
Eu queria falar sobre os laços fraternos, eu não tenho uma irmã, então a ideia de apresentar uma irmã imaginada era uma boa maneira de contar minha história.
A adolescência é um período de muitas descobertas, como desejo, sexo, mas também amor. Onde você conseguiu sua inspiração para criar a narrativa e como você traduziu esses sentimentos no desenho?
A adolescência é um luxo para falar sobre os sentimentos adultos, e como são vividos pela primeira vez, tudo é amplificado. Desejo, ciúme, inveja, sentimentos românticos. Antoine irá vivenciá-los pela primeira vez de forma totalmente inconsciente, talvez anos depois ele se dará conta das fortes emoções que sentiu.
Posso ver “Uma Irmã” como uma narrativa mais imersiva de suas obras entre as que eu já li. Levei um momento para “deixar” a história depois de lê-la. Como você concebeu a narrativa deste livro e o que mudou em relação aos seus livros anteriores?
Eu voluntariamente optei por um traço mais próximo de um esboço, bastante leve, mas ainda muito legível. Era preciso estar no máximo conforto de leitura, de modo que, uma vez finalizado, as imagens suaves permaneçam na cabeça, o que pode contrastar com a dureza de certas cenas. Em meus livros anteriores a linha era mais expressiva na forma, mas talvez menos expressiva em substância.
Por que personagens femininas são tão presentes em seu trabalho?
Porque eu adoro desenhá-las, e elas são sempre o ponto de partida da minha história.
Qual a sua opinião sobre a situação atual dos quadrinhos franco-belgas?
Eu acho que os quadrinhos são um ótimo meio e uma ótima oportunidade de transformar as coisas em imagem. Há muita liberdade nos quadrinhos. Por vezes acho lamentável que essa liberdade não seja encorajada pelos editores ou pelos jornalistas, ou que isso não seja reivindicado pelos autores. Muitos quadrinhos se contentam em ser uma publicação vulgar sem grandes pretensões nem ao nível da história nem do desenho.
Queria falar um pouco sobre outro projeto seu, Lastman. Foi sempre pensado como um projeto multimídia (com videogames e planos de animação)?
Não, inicialmente era apenas um mangá, mesmo que tivéssemos lá no fundo a ideia de fazer um videogame que girasse em torno do quadrinho. Então, as coisas foram se sucedendo. Hoje estamos muito orgulhosos disso.
Como você começou a ler quadrinhos? Que autores você gostava de ler e quem mais influenciou seu trabalho?
Eu olhava para o desenho sobretudo para que pudesse copiá-lo. Eu desenhei muito Asterix, Gaston, Spirou, e então, bastante jovem, encontrei Bill Watterson, depois Richard Corben, Edika, eles influenciaram muito meu trabalho. E hoje tenho o mesmo prazer quando abro um Blutch, Gipi, Sattouf ou Fior, em suma, sempre houve muitos talentos em quadrinhos, são muitas possibilidades.
Uma Irmã tem 216 páginas e custa R$ 47,90.
*Colaborou Alexandre Figueirôa na tradução do francês.