Entrevista Bruno Maron: “A pseudo-erudição é um mercado aquecido”

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O quadrinhista Maron em foto do projeto Nankeen, de Rafael Roncato
O quadrinhista Maron em foto do projeto Nankeen, de Rafael Roncato

Ninguém é ‘insacaneável’
O quadrinhista Bruno Maron chama atenção com suas tiras online com socos de verdade para classe média

Por Diogo Carreiras

Muito se fala do seu humor ácido, sarcástico e incômodo. Este último, principalmente para aqueles que, como ele, são franguinhos de apartamento que mexem na internet. Isso mesmo, o quadrinista carioca Bruno Maron coloca um espelho na frente da classe média e distribui capuzes para todos. Ele é o autor da série de tiras online publicadas no blog Dinâmica de Bruto.

Chamam seu desenho de feio, sujo e desrespeitoso, mas é na verdade um traço próprio que faz dele um artista reconhecível a quilômetros de distância. Com certeza é uma das qualidades mais difíceis de serem alcançadas pelos desenhistas. Veja abaixo a entrevista que ele deu para a Revista O Grito!

REVISTA O GRITO! – Até onde o Google me levou, o Dinâmica de Bruto surgiu em 2008 em parceria com Raphael Gancz. Desde então você trocou de domínio duas vezes, mas nunca trocou o título do site. Você pode nos contar um pouco mais sobre a parceria com Gancz?

BRUNO MARON – O Gancz é um monstro da poesia e dos contos. Mas nessa época estavamos atormentados com uma questão fundamental: o que fazer? A gente já tava de saco cheio do revezamento de emprego horrível. Sem contar com o “desespero autoral” que tinha atingido um ponto de massa crítica alarmante. Havia uma urgência de se manifestar, mas eu mesmo não sabia qual era a linguagem a ser investida. Nossa ideia foi criar um blog com a única proposta de jogar as ideias, seja lá de que natureza fossem. Isso também seria um estímulo para manter um ritmo de produção. De ficar dando um toque no outro mesmo: “po cara, tu tá pouco produtivo”.

Essa vigilância foi importante, porque no meu caso específico, tenho uma tendência forte à inércia. Dessa experiência emergiu uma conclusão óbvia: eu era um quadrinista “enrustido”. Sempre quis isso, mas uma autocrítica massacrante me tolhia. No fundo é vaidade, é aquele medo de não encontrar ressonância. Mas como diz Ai Weiwei, se você não age contra o medo, ele fica cada vez maior. Gancz tem uma pegada muito densa e enigmática, que eu consegui abarcar no meu trabalho. Depois de um tempo, cada um seguiu seu caminho. Eu ataquei os quadrinhos e ele publicou o primeiro livro. Mas a gente tem vontade de produzir uma graphic novel, acho que a parceria com ele pode render muito.

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Em várias entrevistas você fala da sua passagem brusca de Mauricio de Sousa para Laerte, Angeli e Glauco. Como isso se deu?

Acho que 99% das pessoas na minha infância se alfabetizaram com a Turma da Mônica. O bizarro é que no meu caso, a Chiclete com Banana apareceu quase que na mesma época. Em 1987 eu já tava interado daquela putaria toda. Nenhum dos meus amigos conhecia. Era meio escandalizante descer pro play com uma revista do Geraldão, por exemplo. Sempre fui o “desbocado” da minha galerinha. Era o moleque “tarado que falava muito palavrão”. Nem tinha pentelho, pra você ver. Teve até uma mãe de um amigo que queria proibir o moleque de andar comigo. Ficou aquela infância e adolescência híbrida, onde circulavam no mesmo olimpo de heróis figuras como Jaspion, Bob Cuspe, Cirilo do Carrossel, Geraldão…samba do criolo doido. O curioso é que uma coisa não anulava a outra. Eu lia uma HQ ultra sofisticada como A Insustentável Leveza do Ser do Laerte, e logo depois tava me deleitando com um episódio do Jiraya. Sempre ficava na dúvida se batia punheta pra Mara Tara do Angeli ou pra An-ri do Jaspion.

Você fala bastante da pseudo-erudição na atualidade, onde todos têm uma “opinião” formada e uma frase de Clarice Lispector no bolso da camisa xadrez. Você acredita que ainda temos muito que piorar ou já chegamos ao fundo do poço da erudição de orelha de livro?

Hahahaha. Cara, eu sou bem pseudo-erudito. Adoro, acho uma arte. A pseudo-erudição é uma especie de “air-guitar” da inteligência. Eu FINJO que estou sendo inteligente, não é maravilhoso isso? Eu sou um cara bem imbecil, mas tenho uma memória fantástica. Então, fico decorando pensamentos e abreviações de chaves-lógicas de algumas entidades do monolito acadêmico, impressiono algumas pessoas e todo mundo sai satisfeito. Acredito que o mercado da pseudo-erudição está bastante aquecido e só tende a ampliar. Isso tem a ver com a velocidade vertiginosa, essa má digestão que as pessoas estão efetuando em relação a todos os processos existenciais. O conhecimento verdadeiro deve ser digerido como um alimento, e não devorado. É preciso intervalo.

Nos intervalos habita a contemplação. Doravante os intervalos foram colonizados pela propaganda, então vivemos uma época de atolamento afetivo onde triunfa um acúmulo irresponsável de informação travestida de conhecimento. Tenho um professor que fala uma coisa muito interessante sobre isso. Ele diz que nossa sociedade está longe de ser uma sociedade de consumo. Quem dera! Somos uma sociedade AVARENTA. Consumimos imagens, seres, palavras, mas não a intensidade real e honesta que as substâncias do mundo podem nos proporcionar. Mas isso está virando norma, assim como qualquer expressão está virando arte, é possível que a pseudo-erudição se transforme na própria erudição.

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O texto tem uma participação especial nos seus quadrinhos, em alguns quase engolindo o desenho. Como você chegou ao desenho? O que veio primeiro a vontade de desenhar ou a de escrever?

Eu sempre gostei de desenhar. Clichezão do caralho, né? Mas é impressionante, a saga dos desenhistas é muito parecida: é aquele vagabundo que sentava no fundo da sala de aula fazendo caricatura de todos os alunos e professores. Eu guardei alguns cadernos do colégio e fico me perguntando como nunca repeti de ano. 90% era desenho e o resto era matéria. Então acredito que a vontade de desenhar seja muito embrionária mesmo. Mas sinceramente, gosto mais de escrever. Tenho uma paixão doentia pela língua portuguesa e uma preguiça infinita com os outros idiomas. Acho deslumbrante ver uma pessoa que domina o léxico. Escrevo e uso palavras difíceis por puro ressentimento intelectual. Queria ser inteligente, é o meu maior sonho.

Como você lida com a patrulha do politicamente correto? Eles já te descobriram?

Eu sempre cito o Millôr e dessa vez não será diferente: “O tirano pode evitar uma fotografia, não pode impedir uma caricatura. A mordaça aumenta a mordacidade”. Existe claramente uma pegadinha no “conceito” de humor, que invariavelmente flerta com a noção de desrespeito e implode qualquer vestígio de sacralização. O jogo humorístico é o espelhamento canhestro de toda ordem pré-estabelecida, mas vai explicar isso pra quem tomou porrada a vida inteira? O julgamento, cada vez mais comum, nas abordagens do humor, demonstram a insuficiência e a impotência dos homens que precisam de uma sociedade ideal. Entendo quem fica puto com determinadas piadas e acho que devem responder à altura, de preferência com sarcasmo, porque todos somos dignos de chacota. Não há ninguém insacaneável no mundo.

Por outro lado, vejo que o desprezo é muito subestimado na sociedade. Especialmente porque foi inoculada uma ideia de reação, as pessoas estão muito reativas. “Você precisa reagir.” Será? É o primado da proatividade, do agir, de usar a inteligência para presidir necessidade práticas em busca de uma finalidade, de uma resolução. E se eu quiser ficar calado, parado, apático? O silêncio desmonta qualquer humorista. Existe sim, uma potência hipercinética na apatia, por incrível que pareça, e é explosiva. Despreze o humorista mais próximo de sua casa e economizarás muita energia. Precisamos aprender a calar.

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Você publica seus desenhos na internet e nos jornais. Qual meio você prefere e qual a principal diferença que você notou entre os dois?

A principal diferença entre os dois é que no jornal eu ganho um cascalho (risos). Gosto dos dois, essa coisa de ter um espaço definido também é interessante, no caso do jornal. O blog é bom pela liberdade total, isso eu quero preservar sempre.

Como foi publicar seu trabalho em jornais de grande tiragem como Folha de São Paulo e O Globo?

Tô gostando muito, é ótimo pra divulgar, apesar de ter a sensação de que o Facebook está ficando insuperável nesse sentido. Eu fico impressionado com esses caras como o Laerte e o Gonsales, que fazem tiras diárias e são sempre fodonas. Seria um desafio tremendo produzir uma tira por dia.

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Recentemente o Dahmer lançou Minha Alma Anagrama de Lama, que foge bastante da noção tradicional de livro. Fico curioso em saber como você trabalharia o formato, você pensa em reunir seus quadrinhos em um livro ou você gosta do formato digital?

Sim, eu já tô super envolvido com uma editora e tenho vontade de reunir uma parte das coisas do blog num livro.

Você é um artista com uma pegada bem underground, algo bem constante no seu trabalho, e que encarna muito com os modismos instantâneos de hoje em dia. Você tem medo de se tornar mainstream? 

Que nada! Eu quero mais é ser famoso! Eu sou brasileiro, meu chapa. E brasileiro é FAROFEIRO por natureza. Todo mundo quer aparecer em diferentes níveis, mas rola aquela vergonha de confessar. No meu caso, almejo publicações de grande porte tipo CARAS, QUEM, ou o site EGO. Me sonho é que façam uma matéria na minha casa, num clima assim “Maron abre as portas de seu pequeno logradouro.” Daí vou mostrar a geladeira com pouquíssimos alimentos (geralmente compro sardinha porque é bem barato), meu colchão velho e minha mesa de trabalho, que é bamba. Quero incrementar a produção de constrangimento nesse país. Nada é mais revolucionário do que o constrangimento público, porque ele produz um incômodo incatalogável no nosso espectro sentimental. É um sopro de vida.

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Outra questão, para finalizar, nós fale um pouco sobre seus projetos para este ano.

O primeiro projeto e o mais importante é permanecer vivo. Conseguir pagar as contas, que estão pela hora da morte. Estou pra lançar um livro de humor e uma revista com amigos quadrinistas. Mas o projeto mais importante é uma banda de Axé-Progressivo que eu estou montando com o Ricardo Coimbra (quadrinista gênio). Já temos o primeiro single, “Microfísica do Dendê”.

Veja mais tiras de Maron e conheça o blog Dinâmica de Bruto.

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* Diogo Carreira, formado em filosofia, é curioso compulsivo nascido na cidade do Rio de Janeiro. Escreve na Revista O Grito! sobre quadrinhos e artes visuais. Siga ele no Twitter.