UM FILME-LEGADO
“Últimas Conversas” abre o festival de documentários e traz entrevistas com adolescentes. “Luto chegou para mim só agora”, diz a montadora Jordana Berg
Por Karen Lemos
Em São Paulo
Eduardo Coutinho abriu – em merecida oportunidade – a 20ª edição do É Tudo Verdade – Festival Internacional de Documentários, que teve início em São Paulo, na noite dessa quinta (9), com destaques do panorama nacional e internacional, além de retrospectivas e exibições especiais de filmes documentais.
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Artigo: Coutinho e o cinema de palavra
Últimas Conversas, filme no qual o cineasta se despede de seu público, ficou pronto a tempo de sua estreia para a abertura do evento. Coutinho morreu, em fevereiro de 2014, enquanto concluía o longa. Filmou, mas não teve a oportunidade de montar sua derradeira obra, papel que coube aos seus colaboradores de longa data João Moreira Salles e Jordana Berg.
“Montar esse filme veio de uma necessidade minha de permanecer com Coutinho mesmo após sua morte”, contou Jordana em conversa com a Revista O Grito!. “Para algumas pessoas, o luto chegou no dia da morte do Eduardo, para mim, está chegando agora, já que eu pude ficar mais um ano com ele na ilha de edição”, completou a montadora, que passou dez meses cuidando do material deixado pelo documentarista.
Em Últimas Conversas, Coutinho entrevista jovens estudantes do ensino público do Rio de Janeiro. Entre algumas histórias trágicas, curiosas e hilárias dos alunos, contrapondo com uma visão ainda cheia de esperança dos mais novos, o documentarista revela seu processo como entrevistador. Por vezes, a inversão de papéis é permitida e os adolescentes parecem entrevistá-lo por acidente, dando espaço para que o cineasta esmiúce suas opiniões. Este tipo de abordagem, ressalta Jordana, apareceu em uma segunda montagem do filme.
“A primeira montagem estava a cara do Coutinho. Como conheço ele há muito tempo, fiz o filme com a cabeça dele. Mas acho que a segunda montagem ficou mais fiel à captura da pessoa que foi Coutinho”. Ao dedicar a sessão a Eduardo e ressaltar sua importância como o principal praticante do gênero no país, João Moreira Salles falou de sua amizade pessoal e profissional – o que lhe garantiu produzir os últimos filmes de Coutinho – e do legado deixado pelo seu maior incentivador.
“Não tenho dúvidas de que ele foi a pessoa mais importante na minha formação. Perdi uma grande pessoa que me norteava, mas conheci Coutinho tão bem que, até hoje, conversamos muito. Não é uma bobagem, tenho muito dele dentro de mim”, pontuou João, que assina a versão final do filme.
Eduardo Coutinho, 7 de Outubro
Além de Últimas Conversas, também está em cartaz o documentário Eduardo Coutinho, 7 de Outubro. Dirigido por Carlos Nader, o filme não chega como uma biografia, mas sim como uma análise visceral da obra sob o ponto de vista de seu próprio autor.
No lugar dos personagens aparentemente rasos, mas que se revelam ricos diante da provocação do entrevistador, está o próprio documentarista. Diante da câmera, Coutinho fala sobre tudo; seu papel como documentarista, sua arte de instigar o entrevistado, suas amarguras da vida, suas opiniões sobre qualquer tema – sempre pontuadas por uma acidez e alguns palavrões – e também entra em contato com sua obra, recordando alguns célebres personagens que contribuíram para que seus filmes se tornassem únicos.
Na estreia do longa, que aconteceu mês passado na capital paulista, Nader contou que “7 de Outubro” não era para ser um filme. “Foi uma impressionante série de coincidências”, explicou. “Eu estava fazendo um projeto sobre terceira idade com o Coutinho e, como na ocasião ele tinha pouco tempo para falar comigo por conta das gravações de seu último filme, tivemos que conversar rapidamente por 15 minutos. Claro que não deu certo; a entrevista durou cinco horas e só foi interrompida porque eu tinha um voo naquele mesmo dia”.
Dessa forma, com um vasto material em mãos, Carlos decidiu fazer do projeto um longa-metragem. O documentário estreou sem grandes alardes em 2013 e está sendo lançado novamente após a lamentável morte do cineasta. “Acho que a vontade deste filme era a de ser um filme mesmo”, completou Nader.