AMOR DIFÍCIL
Mais do que apresentar uma diversidade temática no recente cinema nacional, Do Começo Ao Fim quer mostrar que nem sempre o tema do incesto precisa ser trágico
Por Léo Freitas
O cinema brasileiro vem tomando rumos cada vez mais diversos, com filmes ainda mais artísticos e/ou polêmicos. Descobrimos direções de arte realmente primorosas em filmes como Cinema, aspirinas e urubus e o mais recente Budapeste. Assuntos delicados também fazem parte dessa lista, como a homossexualidade em obras como Madame Satã, Cazuza – o tempo não pára e, o ainda inédito, A festa da menina morta, estreia na direção de Matheus Nachtergaele. Já o renomado Lavoura Arcaica levantou a questão do incesto em uma família tradicional libanesa no Brasil, quando o personagem de Selton Mello foge de casa devido à paixão que sente pela irmã (Simone Spoladore).
O diretor Aluizio Abranches (Três Marias, Um Copo de Cólera) foi além: decidiu unir homossexualidade e incesto em uma produção bem cuidada para contar a história de dois irmãos que desenvolvem uma relação de amor incondicional desde a infância e que perdura até a idade adulta, quando se tornam amantes.
Julieta (Júlia Lemmertz) é uma médica, mãe de dois filhos: Francisco (Lucas Cotrim na infância e João Gabriel Vasconcelos na fase adulta) e Thomás (Gabriel Kaufman na infância e Rafael Cardoso na fase adulta). Casada pela segunda vez, o primogênito Francisco é fruto de sua relação com Pedro, um empresário argentino (Jean-Pierre Noher) e Thomás é seu filho com o atual marido, Alexandre (Fábio Assunção). O elenco conta, ainda, com Louise Cardoso como Rosa, melhor amiga de Julieta.
Do começo ao fim começa com o nascimento de Thomás. Francisco tem 6 anos e observa que o irmão não abre os olhos durante as primeiras semanas. Quando abre, fixa os olhos primeiramente no irmão.
O tempo passa e os dois tornam-se inseparáveis, protegendo um ao outro, desenvolvendo uma relação mais íntima que o normal. A mãe percebe, mas diz: “O que posso fazer?”. Afinal, para eles, não há maldade alguma no sentimento que nutrem entre si.
Quando chegam à vida adulta e Julieta morre em um acidente de carro, Thomás e Francisco se tornam amantes, com juras de amor eterno e precisam enfrentar a separação, quando o mais novo recebe um convite para treinar natação para as Olimpíadas fora do Brasil.
Abranches, também autor do roteiro, mostra que o incesto pode surgir sem traumas, de forma natural, em um ambiente familiar amoroso, libertário e não libertino: “Por que toda vez que se fala de incesto é de forma trágica?”, questiona o diretor em entrevista à Revista O Grito!. A situação, naturalmente incompreendida pelos dois na infância, ganha contornos adultos, com uma relação amorosa real, sobrepondo a, apenas, afetividade fraterna quando crianças. Amam-se como irmãos, como amigos e como amantes.
A história tem tudo para se tornar um retrato sincero e delicado da homossexualidade, sem estereótipos. Além disso, trata das diferenças que precisam ser aceitas, tanto em relação à sexualidade como ao incesto em si, temas fortemente criticados pela Igreja Católica e outras esferas sociais conservadoras. “Movimentos lentos, harmoniosos, tudo é muito suave no filme”, declara Abranches.
Gay
Em um país que não exibe em suas telenovelas um beijo gay, Do Começo ao Fim promete cenas de carícias, nudez e beijos. Um dos intuitos foi quebrar o preconceito que perdura em relação a demonstrações de afeto entre dois homens. Preconceito, esse, que Aluizio Abranches encontrou ao buscar patrocínios para o longa. Alguns empresários sugeriram mudanças na trama, como por exemplo que os protagonistas fossem trocados por dois primos ou duas irmãs (afinal, é um fetiche sexual masculino observar carícias entre duas mulheres). O diretor resistiu e conseguiu, a duras penas, o patrocínio de dois empresários que concordaram em colaborar, mas exigiram que seus nomes não fossem revelados.
Desde a divulgação de seu trailer, o longa já vem gerando polêmica e atiçando a curiosidade do público. O diretor viu nisso o lado bom da coisa: além da divulgação do filme pelo famoso boca-a-boca, provoca discussões acaloradas nos fóruns de discussão online, o que lhe dá uma ideia do que esperar com o lançamento do filme nos cinemas, que está previsto para 28 de agosto.
Produzido pela Pequena Central, de Marco Nanini e Fernando Libonati, em parceria com a Lama Filmes, Do começo ao fim (ou From beginning to end, para o mercado internacional), teve um orçamento de R$ 1 mi, com gravações realizadas em Buenos Aires e Rio de Janeiro e tem como diretor de fotografia o suíço Ueli Steiger (10.000 a.C. e O Dia Depois de Amanhã).
Uma produção que, com certeza, não vai passar despercebida, dado o barulho que já provoca. E como diz Thomás a Francisco em certo momento do filme: “para entender o nosso amor é preciso virar o mundo de cabeça para baixo”. Resta esperar para ver quais serão os resultados dessa virada.
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