NUM SEI QUE LÁ, AMÉRICA
Entre encontros com Calvin Johnson e Jenna, a fã de 9 anos que até se meteu a aprender português, as aventuras de Lulina na primeira invasão aos EUA
Por Lulina
Especial para a Revista O Grito!, de Chicago (EUA)
Nossa primeira tour internacional já começa de forma inusitada, em uma sorveteria de Seattle. Full Tilt Ice Cream, delicioso local para tocar e, obviamente, tomar sorvete. O show foi sensacional, com uma turma sacudindo ao som das canções (os americanos da Costa Oeste, por incrivel que pareça, dançam bem mais que os brasileiros em shows). E no final até gritaram um “lulina num sei que lá!” e todos aplaudiram e sorriram (não entendi o que falaram, mas me parece que foi bom).
No início, eu ainda não fazia idéia do que essa turnê significaria para nós. Marcamos shows em cima da hora, meio na loucura, com a ajuda do nosso amigo Matt. Uma das coisas que mais me deixava receosa era o fato de cantar em português. Será que os gringos não iam achar chato um monte de blablablá que eles não fazem idéia do que é nas canções? Para minha surpresa, foi uma das coisas que todo mundo mais elogiou: a sonoridade do português, como aquilo contribuía para o aspecto lúdico e “cinematográfico” (segundo uma velhinha, de quem já já falarei) das canções. Tanto que no nosso terceiro show, em Olympia, a nossa primeira fã internacional nessa turnê, Jenna, de apenas 9 anos, se encantou tanto que não só repetiu a dose e foi a outro show nosso na cidade, como dias depois passou na biblioteca da escola e pegou um livro que ensina português. Ela disse que quer aprender a lingua para entender melhor as canções. A partir daí eu comecei a entender (e sentir) o que essa turnê representaria para a gente.
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Mas antes de Olympia teve Wenatchee. Tocamos no Caffe Mella, que tem uma estrutura de som maravilhosa e ficou cheião. No caminho para lá, paramos numa montanha, estava nevando (foi a primeira vez que vi neve). Fotos, videos e guerras de bolas de neve já valeram a tocada. Fomos a primeira banda brasileira a tocar em Wenatchee. E depois do show, mais caras sorridentes, mais conversas e depoimentos gravados, mais discos vendidos. Mais um show muito especial, com bebês e velhinhos (todos os nossos shows tinham pelo menos uma criança de bochecha rosada e um velho de bigodes engraçados). De lá, partimos para Olympia.
O primeiro show de Olympia merece um parágrafo grandão. Foi um show beneficente, para ajudar o Haiti, que reuniu as bandas mais clássicas de Olympia. Entre elas, a Hive Dwellers (a nova e maravilhosa banda do Calvin Johnson), The Wimps (que não tocava há 11 anos), Pet Products, Volume 3, Big Idea, Mary Win (que tem uma voz linda e é um doce), Al Larsen (do legendário Some Velvet Sidewalk) e The Human Skab (que se tornou a trilha sonora da nossa viagem, com seus refrões deliciosos e grudentos). A nossa platéia era formada basicamente por essas celebridades e seus amigos e familiares. Começou nosso show e primeiro foram as crianças que se aproximaram do palco, dançando e gritando coisas emocionantes, como “you guys rock!”.
Um loirinho até chegou a jogar, todo feliz, o urso de pelúcia dele no palco. Depois, uma mulher, quando cantei meu príncipe, se apoiou no palco dançando de forma sensual, mostrando a bunda para a galera (maravilhoso!), quando expliquei em meu inglês tosco que aquela se tratava de uma canção romântica, sobre o amante perfeito. E quando tocamos o sambinha “faxina no juízo”, quem diria, uma sambista loira apareceu arrasando na frente do palco e todo mundo rebolou. Mas o mais curioso era um cara que dançava na nossa frente, bem próximo ao palco, fazendo movimentos muito loucos com o corpo. Só depois eu soube que aquele ali era o Calvin Johnson, um dos meus ídolos na música. Só isso já bastaria para a noite ter sido especial para mim, mas teve mais. Depois do show, muita, mas muita gente veio cumprimentar, elogiar, pedir autógrafo e vendemos muitos discos.
No meio dessas pessoas estava o próprio Calvin e a Jenna, a garotinha de quem já falei no texto. Saí com o coração apertado, feliz da vida, quase engolindo minhas orelhas de tanto sorrir. E os shows das outras bandas foram chapantes, especialmente o do Calvin, que cantou sem microfone, com sua voz fantástica preenchendo todo ambiente e nos obrigando a chegar mais perto, acompanhado de seu violão desplugado, de movimentos corporais incríveis e de sua banda tocando bem baixinho. Toda aquela sensação intimista me deixou besta, com vontade de chorar.
No dia seguinte, tocamos novamente em Olympia, um show que foi cedo demais e com pouca divulgação (nem nós sabíamos direito que íamos tocar no dia seguinte no mesmo lugar). Chegamos lá e tinham apenas quatro pessoas, duas delas eram a Jenna e sua mãe, a simpática Rachel. Dediquei o show à Jenna e fizemos versões só nos violões de músicas lulínicas e também do The Waiters, tocando sentados no palco, só para variar. Depois do show fomos convidados pela Rachel para jantar na casa delas e foi uma das comidas mais deliciosas da viagem, com o Gary (marido da Rachel) cozinhando.
Mais uma curiosidade bacana: lá descobrimos que o Gary, pai da Jenna, tocava em outra banda, a lendária Supreme Cool Beings, além de ser amigo do Calvin e de todo o pessoal da cena musical de Olympia. Foi uma noite de bons papos e bons vinhos, que vez valer o show vazio. E a cada apresentação a gente ficava mais sorridente e entendia que tudo estava de alguma forma magicamente conectado.
Bêbados de alegria, partimos para Anderson Island. “Anderson Island?”, todo mundo perguntava, sem acreditar que íamos tocar lá. Diziam “lá não tem ninguém”. Imaginamos que seria mais um show vazio. Para a nossa surpresa e grande alegria, ao abrirmos a porta do local do show (uma casinha linda no meio da floresta da ilha), fomos recebidos com muitos aplausos por uma platéia de velhinhos! Sim, um monte de velhinhos sorridentes, nos aplaudindo antes mesmo de montarmos o palco, nos dando as boas-vindas. Os meninos já olharam para mim e sacaram que eu tava em êxtase. Aquela era a platéia dos meus sonhos, cerca de 50 velhinhos e duas crianças. Fizemos um show plugado, mas pianinho (o Monstro inclusive tocou o piano que havia no local). Foi a platéia com os sorrisos mais lindos que já vi. E era mais um show beneficente, para ajudar uma escola da comunidade local.
Os depoimentos, depois do show, eu nem preciso dizer que foram os mais emocionantes, ao menos para mim, de toda a turnê. A velhinha que falou “vocês têm que ir para Hollywood! A música de vocês é trilha de filme!”, ou o outro velhinho que tentou adivinhar a letra de “margarida” através dos meus gestos cantando, perguntou “naquela hora que você colocou a mão na cabeça, você estava falando de um amor que não deu certo, né?”. E a garotinha de uns 6 anos, que veio me abraçar sorridente, dizendo que o show foi maravilhoso. Tudo isso devidamente registrado em videos, para a gente não se esquecer nunca mais.
A cada show eu falava para os meninos da banda “não preciso de mais nada, já posso voltar para casa feliz”. Foi tudo tão bonito e perfeito, bastante significativo para mim e também para a banda. Não ganhamos dinheiro com os shows, não lotamos nenhum lugar, daí você pode imaginar que não fomos lá tão bem sucedidos. Mas tocamos para pessoas incríveis, tivemos um feedback emocional como eu nunca tive em lugar nenhum que já toquei na vida, voltamos para casa com uma sensação maravilhosa de que não poderia haver turnê mais perfeita do que essa. Uma turnê que representou bem a relação completamente emocional que tenho com a música.
Hoje é o último show, escrevo esse texto de Chicago, onde vamos tocar logo mais. Saiu notinha no Chicago Reader e vários amigos brasileiros que estão por aqui já confirmaram presença. Ou seja, esse é o show que mais temos garantias de que vai ser bem recebido pelo público. Mas a essa altura, isso nem importa mais. Depois das boas surpresas que tivemos arriscando totalmente, até me acostumei a ver coisas fantásticas brotando de momentos aparentemente nebulosos. Acho que esse é o verdadeiro espírito de uma turnê lulínica e espero que nossas próximas investidas internacionais sejam tão felizes quanto essa.
Lulina escreve diretamente de Chicago, na companhia de Leo Monstro, André “Firuba” Édipo, Pedro Falcão e Matt Love