DO TEMPO EM QUE CANIBAL TINHA CABELO CURTO
Livro do jornalista Hugo Montarroyos conta toda a trajetória do Devotos, banda que mudou a radiografia social do Alto José do Pinho
Por Fernando de Albquerque
Editor da Revista O Grito!
Nos anos 90 pegar um táxi no centro do Recife e pedir como destino o Alto José do Pinho incorreria em ouvir uma veemente negativa do motorista. O lugar, no final do século 20, nada mais era que uma grande periferia com perigos mil. O cenário hoje é outro. O bairro saiu do ostracismo ao noticiário dos principais jornais do Brasil sendo alçado à celeiro cultural do rock. Quem descreve toda a trajetória da principal banda desse bairro, o Devotos, é o jornalista Hugo Montarroyos no livro Devoto 20 anos.
Lançado pela editora Aeroplano e com 316 páginas muito bem editadas e visualmente atrativas, o livro é uma verdadeira viagem ao Alto José do Pinho indo da gênese à contemporaneidade do lugar. Tudo isso costurado com a notória história da banda Devotos que revolucionou a situação social do bairro e ainda teve tempo para se transformar numa das principais bandas do seu nicho de atuação. “Sempre frequentei o Alto José do Pinho enquanto espectador e acompanhei todo o nascimento das mais de 14 bandas que o bairro gerou nos últimos anos”, diz o bem humorado Montarroyos que assistiu “show do devotos quando Canibal ainda tinha cabelo curto”.
Dividido em três partes – cada uma delas com sete, 13 e três capitulos respectivamente – o livro revela fatos interessantes do percurso do Devotos e dos seus integrantes: Cannibal, Neilton, Celo, Tiger, Zé Brown, Adilson Ronrona, Ailton Peste e Marcelo Massacre. “O que eles produziram mudou a imagem do bairro e também a própria concepção de vida do cidadão do Alto José do Pinho”, reflete Montarroyos.
Um dos capitulos mais inspirados do livro é o intitulado “Bar do Orlando: o CBGB do Alto José do Pinho”. Aqui Montarroyos descreve com esmero o início do circuito de shows semanais que foram organizados, na base do improviso, no local, e que lançaram o Devotos enquanto grupo.
O projeto do livro veio junto com a escritora Heloísa Buarque de Holanda. “Fui convidado para fazer o livro em curto espaço de tempo. Foram cerca de três meses”, conta Montarroyos que ouviu dela o melhor conselho que poderia para sua primeira empreitada literária: “escreva como estivesse numa festa. Se divertindo muito”.
Leia trechos de Devotos 20 Anos
“O grande charme do Orlando era o caráter inusitado. Era comum que algumas pessoas subissem nas mesas e, do nada, começassem a recitar poesias. A necessidade de se expressar parecia infinita. Senão, como explicar o sucesso obtido pelo bar do Orlando? Como eles conseguiam realizar shows em espaço tão pequeno, contra tudo e todos? A resposta é uma só: vontade.”“Em 2002, os Devotos foram convidados para tocar em São Paulo, dentro da programação do Da Tribo Festival, evento que reuniria em três noites, bandas de metal e de punk de todo país. A primeira noite seria com Ratos de Porão. A segunda, pela Krisiun, e a terceira pelos Devotos(…) O trio ficou hospedados na casa doprodutor do festival, na Voluntários da Pátria, área nobre que ficava em frente à um dos colégios mais caros de São Paulo(…) Um dia, dois policiais, e uma delegada invadiram o local, de armas em punho, e mandaram os meninos encostarem na parede e colocar as mãos na cabeça. Lá fora todo um aparato policial aguardava o desdobrar dos acontecimentos. O lugar havia sido confundido com cativeiro, e a banda, com sequestradores. Alguém do colégio, desconfiado com a presença dos roqueiros cabeludos e de cabela raspada circulando na área, denunciou os rapazes.”
Devotos na Europa