Em disco intimista e sem hits fáceis, Beyoncé dribla as regras do mercado musical
Trabalho foi lançado todo de uma vez na internet junto com 17 videoclipes e quebrou recordes de vendas
Por Paulo Floro
No seu disco mais ambicioso, a Beyoncé está mais intimista como nunca. No álbum que leva apenas o seu nome, a cantora decidiu fazer uma espécie de scrapbook sobre sua vida, discutindo fama, família, casamento e feminismo. É também o trabalho onde ela mais explora as raízes soul de sua música.
O disco foi disruptivo dentro da música pop por driblar regras estabelecidas de mercado. Ela soltou todas as faixas de uma única vez à venda no iTunes, sem avisar. Não houve teasers, lyric-vídeos, singles lançados previamente, trailers, entrevistas, faixas tocadas em shows, enfim, nenhum aparato conhecido de divulgação usado constantemente por artistas como ela. Ainda por cima vendeu junto com as MP3s 17 videoclipes feitos especialmente para a ocasião. Foi algo inédito e que desafia os atuais modelos de distribuição. Beyoncé chamou a iniciativa de “álbum visual” e deu ao seu trabalho uma unidade ao não evidenciar esta ou aquela música.
Os fãs responderam à altura e correram ao iTunes para baixar o disco, chegando a deixar o serviço de download da Apple com instabilidade na última semana. O álbum vendeu mais de 800 mil cópias em apenas três dias, quebrando um recorde histórico para vendas digitais. Recuperados do alvoroço causado pelo lançamento, conhecemos um disco incrivelmente pessoal, em que a cantora se posiciona como uma das vozes negras mais relevantes a falar sobre o que significa ser mulher nos dias de hoje.
Como toda celebridade que se preze nos dias de hoje, Beyoncé tem consciência de que os problemas pessoais se curam em público. Por isso a cantora foi corajosa a encarar de frente muitos dos assuntos referentes à sua persona tão explorados pela mídia no último ano. O principal assunto foi o aborto sofrido antes da gravidez que deu lhe deu a pequena Blue Ivy (que, vejam, também participa do disco). “Heaven”, que trata do tema, é uma das faixas mais tristes do disco. “O céu não pôde te esperar”, canta ela.
Reservada ao falar com a imprensa, Beyoncé sempre preferiu usar a fama a seu favor para comentar detalhes de sua vida privada. Por isso decidiu dirigir um documentário sobre si mesma, exibido este ano na HBO, onde passa a limpo diversas histórias que a colocaram nas manchetes de sites e revistas de fofocas: a perda de seu bebê, o fato de esconder a gravidez até onde pôde para não atrapalhar nos negócios, a pressão da fama, a demissão de seu pai, que era seu empresário desde quando ainda era uma aspirante a estrela, entre outros temas.
Agora, mais uma vez tomando as rédeas, Beyoncé dá mais detalhes sobre si neste novo disco. E um de seus temas preferidos, o empoderamento feminino, claro, dá as caras. Para Beyoncé, o feminismo não possui muita elucubração: as mulheres estão no controle de suas vidas, sem dependência emotiva ou financeira. Mas ainda assim também se mostram vulneráveis, sofrem por amor (como todo ser humano), etc. Não chega a ser um disco fundamentado a partir de fortes convicções políticas, mas se afirma como uma inspiração ao seu público. Funciona bem.
Na parte dos vídeos, Beyoncé contou com diretores de grife como Terry Richardson, Jonas Akerlund e Hype Williams, mas apesar de toda a super-produção, nenhum é impactante o suficiente para se sobrepor às músicas. Servem como suporte para o projeto como um todo.
O disco ganha pelo tom mais emotivo e por causa do bom time de colaboradores, como Frank Ocean, Drake e o marido Jay Z. Sofre apenas por não contar com um mega-hit de desatarrachar a coluna como “Single Ladies” e “Crazy In Love”. Mas há grandes hits como “XO”, “Pretty Hurts” e “Drunk In Love”. Puxando o freio nesse pop arrasa-quarteirão, Beyoncé decidiu dar mais atenção aos detalhes, expondo a intimidade como nunca.