FÊMEA E FERA
Dosando bem fofurice e agressividade, Tulipa traz em seu debut uma MPB pop pra dançar e relaxar
Por Germano Rabello
Colaboração para a Revista O Grito!, no Recife
O disco de estréia de Tulipa Ruiz, Efêmera, foi cercado de grande expectativa. A voz privilegiada da cantora paulista já atraía melômanos desde alguns anos atrás, quando as primeiras gravações demo apareceram no seu Myspace. Na época Tulipa trabalhava com jornalismo e ilustração (ela assina a capa do disco). Se existe um excesso de cantoras no Brasil, ela se destaca como compositora. Compõe muito bem e no disco quase todas as canções são dela. Lançado oficialmente com um show no Auditório do Ibirapuera (SP) no dia 30 de maio, o álbum tem canções que não demoram muito a ocupar a mente sem pedir licença. Entra fácil em listas de melhores do ano.
Duas qualidades essenciais dessa estréia ainda são raras na música brasileira em 2010. Primeiro, a música está a serviço de ideias que fazem sentido até para pessoas adultas. Tem letras bem feitas, conjuga a inteligência da linguagem com leveza e diversão. E em segundo lugar, sua música parece tornar desnecessária a linha que separa a MPB do pop. Essa é uma qualidade que todo mundo persegue, desde a Tropicália dos anos 1960 (que é referência forte aqui), mas que poucas vezes é efetivada com naturalidade.
Os músicos ajudam bastante para que os arranjos sejam certeiros, precisos. A colaboração em família deve facilitar a química do disco: além do pai tocando e compondo, o irmão Gustavo Ruiz assina a produção e toca vários instrumentos. Dudu Tsuda, Duani, Márcio Arantes, Stéphane San Juan e as participações especiais (Kassin, Céu, Thalma de Freitas, por exemplo) merecem aplauso também. Pois apesar de ser um trabalho de cantora solo, Efêmera surge com uma coesão rara, fruto de colaboração harmoniosa, tudo no lugar certo.
O disco inicia com a faixa-título “Efêmera”. Uma ótima opção de começo: com toques retrô de musical havaiano, ela agrada de primeira e pode ser vista como um declaração de princípios. Isso de ficar “bem pianinho”, “devagarinho”, lembra o desenrolar da carreira de Tulipa, a música crescendo gradualmente. O repertório foi trabalhado sem pressa, e quem conheceu versões demo das músicas pode identificar algumas que foram totalmente transmutadas. Afinal, as coisas “sempre pedem algum tipo de recomeço” e o melhor exemplo é “A ordem das árvores”. Antes uma balada para crianças, ela se vê agora cheia de grooves, funkeada. Isso acontece também com “Pedrinho”, em que agora o teclado martela um toque meio banda militar, e que na origem era mais blueseira.
“Do amor” é o momento mais calminho e minimalista, acompanhando a ternura da letra: “Como uma história que inventa seu fim / quero inventar um você para mim”. “Pontual” é atraso no cinema virando uma das mais divertidas faixas do disco. “Às Vezes” é a música mais pop do disco, com referências bem anos 80 (“Às vezes quando vou ao shopping / escuto Money For Nothing e então começo a lembrar / que eu tocava num bar”). É uma composição antiga do pai dela, o guitarrista Luiz Chagas, da lendária Isca de Polícia (banda de Itamar Assumpção). Outra das músicas de destaque é uma parceria dele com Tulipa, a intimista “Sushi”, arranjo primoroso para falar mais uma vez de amor. Aliás, o disco também encerra nessa vibe romance com o dueto entre Tulipa e Zé Pi (Druques) em “Só sei dançar com você”.
A variedade de estilos é um ponto alto. A voz evoca um pouco de Gal Costa, Björk ou Tetê Espíndola, canta pra fazer dançar, pra comover, pra confortar. Como um todo, da composição aos arranjos, “Efêmera” é uma estreia sólida para uma artista completa. Alguém que pode conquistar um público grande sem recorrer a obviedades, investindo na pesquisa de sons, sem exagerar na “fofice” ou agressividade. Efêmera é fêmea e fera. Touché, Tulipa!
TULIPA RUIZ
Efêmera
[YB, 2010]
NOTA: 8,5