Crítica: Tarzan – A Origem do Homem-Macaco

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CLÁSSICO SELVAGEM
Joe Kubert fez uma homenagem ao criador de Tarzan, Edgar Rice Burroughs, mas acabou dando novo significado ao mito do homem-macaco

Por Paulo Floro
Editor da Revista O Grito!, em Recife

Uma África fictícia e idealizada serviu de cenário para Edgar Rice Burroughs criar o seu personagem mais famoso, e um dos mais conhecidos da literatura, Tarzan dos Macacos. Publicado pela primeira vez em 1912 pela revista All Story, mostrava um garoto europeu criado por uma tribo de macacos após os pais terem sido mortos. Décadas depois, em 1972, Joe Kubert, nome icônico das HQs americanas, autor de histórias do Sargento Rock, Às Inimigo e Batman revisitou o mito e criou uma obra naturalista e popular. É esta obra que os leitores brasileiros redescobrem com o lançamento de Tarzan – A Origem do Homem-Macaco e Outras Histórias, que a Devir coloca nas livrarias esta semana.

Kubert vivia um período de experimentações nos quadrinhos no início dos anos 1970, com editores apostando fundo na vanguarda das histórias. Foi Carmine Infantino, publisher da DC Comics na época, que instigou Kubert a tocar seu projeto de recontar a origem de Tarzan, escrevendo e editando o título. Essa conjuntura deu origem a uma das obras mais autorais de Kubert e uma das mais aclamadas pela crítica.

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Kubert decidiu adaptar os romances de Burroughs, dando uma narrativa e um entendimento maior à história do garoto que é criado pela macaca Kala, de uma tribo de primatas. Tudo na HQ soa naturalista, bruto, uma visão com mais rigor quanto às possibilidades da história acontecer. A preocupaçaõ do autor em tornar o enredo crível é muito aparente em todo o livro. Os arquétipos de Burroughs, ainda ligados a velhos conceitos europeus de civilizados e selvagens ganha novos contornos aqui. Os pais de Tarzan são desbravadores, e são abandonados em uma terra inóspita após um motim no navio.

Eles ainda se adaptam o quanto podem (inclua aqui certa dose de ingenuidade setentista ao mostrar o lorde John Claiton, pai de Tarzan, construindo uma cabana semelhante a uma casa, onde passaria a viver), mas logo são mortos pelos macacos selvagens. Tarzan seria criado por uma macaca que perdeu o filho após uma rebelião em sua tribo.

KUBERTIANAS – Os traços de Joe Kubert nesta obra a tornam ainda mais relevante. Aqui, ele ousou em experimentações narrativas, que serviriam de estudo para autores de HQs ianques mais tarde. A começar por Tarzan andar nu, como seria lógico, já que ele foi criado entre primatas na floresta. O desenhos dos macacos, com personagens distinguíveis entre si (quadrinhistas que leem esse texto, comentem a dificuldade em desenhar animais realisticamente), conferiu personalidade a peças importantes na trama, como o maligno Bolgani e Kerchark, o líder da tribo, todos metidos em politicagens que definirão o afastamento de Tarzan em direção a sua real natureza humana.

E Kubert ainda trouxe mais inovações em sua narrativa. Os quadros são dispostos de forma cinematógrafica, uma preocupação que seria retomada apenas no início dos anos 2000, com autores como Alex Maleev (Demolidor) e John Cassaday (Planetary). Neal Adams (Batman), nos anos 1980, também utilizou esse estilo ágil de se desenhar, mas não foi feliz como Kubert.

Tarzan de Joe Kubert confere novo significado a um personagem de ficção mais famosos em todo o mundo. Como fã, Kubert não se omite em preencher lacunas na história para explicar ainda mais o mito, sem abrir mão do tom de homenagem. A interpretação geralmente utilizada é de que Tarzan dá um upgrade à ideia do bom selvagem, tese racista que considera “não civilizados”, os não-europeus. Nesta HQ de Kubert, Tarzan é alguém que descobriu injustiças no mundo selvagem e no mundo humano e por isso se distanciou de ambos.

A edição da Devir é baseada num livro de luxo da Dark Horse, o que indica que novos volumes estão por vir. Traz ainda textos assinados do autor e um balanço do personagem nos quadrinhos através dos tempos.

TARZAN – A ORIGEM DO HOMEM-MACACO E OUTRAS HISTÓRIAS
Joe Kubert (texto e arte)
[Devir, 212 págs, R$ 50]

NOTA: 9,0

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