UM ROBÔ EM CRISE
Robocop de José Padilha discute militarismo high-tech embalado com ritmo frenético de um videogame de tiro
Por Paulo Floro
A expectativa para o novo filme de Robocop, entre nós brasileiros, foi bem diferente do resto do mundo, sobretudo nos EUA. Por aqui, a ansiedade maior era ver na tela o resultado da negociação do diretor José Padilha para imprimir seu estilo em um blockbuster hollywoodiano. Remake do sucesso de Paul Verhoeven, de 1987, o longa se saiu bem na tarefa de levar para uma superprodução questões políticas, sem deixar de lado o tom de ação com ritmo frenético de um videogame.
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Enquanto no primeiro longa a trama tratava com ironia o rearmamento norte-americano da era Reagan, nesta versão de Padilha o discurso bate de frente com a militarização e a atuação dos EUA no exterior, com o uso de drones e outros aparatos tecnológicos letais. Estamos no ano 2028 e a superpoderosa organização OmniCorp mantém sua influência nas mais diferentes esferas, sobretudo na segurança, criando diversas soluções para a polícia de Chicago.
A mais polêmica delas é o uso de robôs para fazer o policiamento ostensivo nas ruas da cidade. Enquanto a maioria dos americanos aprova o uso dessas máquinas em países do Oriente Médio, no âmbito doméstico a coisa muda de figura. Para isso, os cientistas e marqueteiros, liderados pelo CEO sem escrúpulos, Raymond Sellers (Michael Keaton) resolvem entregar ao público uma máquina que é parte-homem, parte-robô. O sujeito encontrado para encarnar esse papel foi Alex Murphy, detetive que foi vítima de um atentado e perdeu quase todo seu corpo. Com o hardware mais avançado de todos e um software que acessa o banco de dados da polícia e câmeras de segurança, Robocop parece ser o policial perfeito. O problema é que sua mente humana ainda ativa interfere nesse sistema.
Aqui temos o ponto de maior diferenciação entre original e remake, que é uma maior consciência do protagonista, o que abre mais espaço para discussões sobre temas como política e ética no uso de robôs. E é por esse ímpeto que Murphy tentará sozinho resolver o crime que quase o matou. O roteiro de Joshua Zetumer e Edward Neumeier (que também assinou os Robocops 1 e 2) tentam equilibrar um debate em meio a uma sequência de ações que cumprem tabela no blockbuster. São os momentos de questionamentos do personagem, a trama sobre a corrupção policial (tema caro à Padilha) e a relação com sua família que dão ao filme um tom humanista e o limam de ser mais um produto industrializado sem charme.
Nessas cenas de ação, conseguimos ver um pouco da assinatura de Padilha, com câmera na mão e tomadas de cena em primeira pessoa. Mas são justamente esses momentos em que o filme perde em relevância. Alguns momentos são impactantes, mas outros chegam apenas como concessão às audiências ávidas por adrenalina. Lembra bastante videogames como Gears Of War e Call Of Duty, mas sem um propósito claro. Enquanto a violência em Tropa de Elite e Tropa de Elite 2 eram carregadas de informação à trama, esta aqui parece puro entretenimento. Isso não seria ruim, conceitualmente falando, mas em um filme que tenta construir sua trama com um discurso bastante atual sobre militarismo, corrupção e ética atrelada às máquinas, esses momentos só atrapalham.
Outro problema do filme é o mal uso de personagens femininas, que são insípidas e aparecem apenas como satélites ao protagonista. A mulher de Murphy, interpretada por Abbie Cornish, está subaproveitada no filme, sem uma motivação pessoal que vá além de chorar pela volta do marido. Quase não há tempo de explorar sua personalidade, mostrar a repercussão de algo tão traumático ao qual seu marido foi submetido. O mesmo vale para a personagem de Jennifer Ehle, que faz parte do corpo de diretores da OmniCorp ou Marianne Jean-Baptiste, a chefe de polícia. E o que dizer de Aimee Garcia, que passa o filme inteiro a cumprir ordens e dizer comandos no computador como Dra Kim, a assistente do personagem interpretado por Gary Oldman.
O maior destaque no corpo de atores é Joel Kinnaman, que encarnou com muita entrega um homem preso em uma máquina. Bem menos robótico que o Murphy original, ele trouxe nuances ao Robocop, que agora lida com a difícil aceitação de que apenas pode existir como uma máquina. Os closes em seu rosto ajudam o espectador a partilhar dessa situação desagradável. Outro ponto alto do filme é Samuel L. Jackson, que serve como fio condutor da narrativa, ao interpretar um apresentador de TV de extrema-direita.
Padilha conseguiu trazer para a equipe colegas brasileiros de renome internacional, como Lula Carvalho (Budapeste, Tropa de Elite), que assina a fotografia, Pedro Bromfman (dos dois Tropa de Elite), na trilha sonora e Daniel Rezende, montador conhecido por Cidade de Deus e A Árvore da Vida. Esse foi um dos motivos do diretor sair dizendo em entrevistas que se tratava de um “filme brasileiro”.
Por tudo o que tentou empreender na tela, José Padilha se saiu bem em sua estreia em Hollywood. Robocop não tem o mesmo charme do original, que usava do sarcasmo como crítica social, nem é tão divertido como filmão blockbuster típico. Sua pretensão foi tentar ir além no que era esperado de um remake e tentar tratar de temas mais sérios. É algo que conta ponto na filmografia de Padilha e faz desse longa algo acima da média em relação ao que é feito hoje na indústria das super-produções. Não chega a ser o policial fodão que todos esperavam, mas é um robô com muito a dizer.
ROBOCOP
De José Padilha
[Robocop, EUA, 2014/ Sony Pictures]
Com Joel Kinnaman, Michael Keaton, Gary Oldman
Nota: 7,5