O fim que virou canções
Por Juliana Simon
“Consegui um grande amor/Mas eu não fui feliz”. O fim de um relacionamento dói, todo mundo sabe. Quem dera todos pudéssemos dar vazão às nossas decepções fazendo música, como nesse verso de Cartola, em “Sim”. Isso é Pélico. Dono de letras bem desenhadas e de uma voz singular, ele canta o fim do amor em Que Isso Fique Entre Nós.
O trabalho, no entanto, está longe de ser melancólico. No CD, instrumentos como clarinete e fagote dão um novo som, nada óbvio. Nos shows, a performance pode ir de um desespero de letras quase berradas a um manso “banquinho e violão”. O músico se cercou de produção e banda impecáveis, com Jesus Sanchez e João Erbetta, da Los Pirata, Régis Damasceno, da Cidadão Instigado, Richard Ribeiro, da SP Underground, Bruno Bonaventura, Tony Berchmans e Guilherme Kastrup.
Mágoa, arrependimento, estrago e desespero são algumas das palavras que desfilam pelas letras explicitamente inspiradas no fim de um amor. Agridoces, muitas músicas enganam e misturam alegria e tristeza.
“Vamo Tentá” fala de fim, de rotina e de murros em ponta de faca. “Sete Minutos de Solidão”, digna de um samba-canção, ganha um ritmo quase festivo com a poderosa sanfona de Berchmans (a mesma de “Naquela Casa”, deliciosa canção do CD anterior, “O Último Dia de um Homem Sem Juizo”). “À Beira do Ridículo combina som de retreta e os versos “Ah, tanto faz ter me humilhado assim/ Até já sei que outro alguém roubou o meu lugar”.
A tangueada “Recado” se desenrola como duelo e desponta como o grande destaque do CD. “E assim começo a contar/ Os dias que faltam pra te ver chorar/Pura vingança. Me disseram, eu sei!/ Enfim, me despeço, porque a dor e/ a saudade não vão te deixar”.
Pélico se aproxima do que há de mais popular em “Não Vou Te Deixar, Por Enquanto”, que lembra muito “La Mia Storia Tra Le Dita”, do italiano Gianluca Grignani (que ganhou a enjoadíssima versão “Quem de Nós Dois”, de Ana Carolina). Esse pé no pop-romântico ficou escancarado quando Pélico cantou “La Barca”, de Luis Miguel, em show realizado em São Paulo.
A leveza fica por conta das solares “Tenha Fé, Meu Bem”, “Levarei” e “Tempo de Criança” e das singelas “Minha Dor”, “Se Você me Perguntar” e “O Menino”. A última faixa do álbum é “Não Corra, Não Mate, Não Morra”, trilha de faroeste. Fora da música, o encarte do CD só comprova a origem de tais canções. Na frente, o cantor de costas para a câmera e de frente para uma mulher, e no verso ele encara a câmera de costas para a porta fechada. “Mas se você não me quer mais/Eu vou em paz”.
A faixa que dá nome ao disco é o arremate. A sensação de que ninguém mais no mundo sabe o que se passa do lado de dentro da porta, mesmo que todos sintam igual a dor de um final. Sofrer por amor é atemporal, passa por Cartola, Lupicínio Rodrigues e, hoje, Pélico.
PÉLICO
Que Isso Fique Entre Nós
[Independente, 2011]
NOTA: 8,5