Escritora e artista plástica Helga Weiss narra terror do Holocausto através de desenhos e relatos biográficos
Por Renata Arruda
Dividido em duas partes – a primeira escrita por volta dos onze anos onde narra o período pré-guerra até a estada no campo de Terezín e a segunda, escrita já depois da guerra contando sobre os meses passados em Auschwitz – O Diário de Helga passou por diversas revisões da escritora tcheca Helga Weiss ao longos dos anos (e ainda mais uma vez, pelo jornalista Neil Bermel que organizou a edição final inglesa – e me arrisco a dizer que tenha algum papel como ghost writer segundo indicações dadas pelo próprio nas Notas ao admitir incluir passagens, modificar frases etc.) o que trouxe prejuízo para a naturalidade da narrativa, principalmente na primeira parte.
A escrita acontece no tempo presente, admitidamente escolhido para “enfatizar melhor” a história, além de incluir muitas perguntas dramaticamente especulativas e afirmações forçadas como “depois vamos ler nos nossos livros escolares”, quando Helga mesma ainda não entedia direito o que estava acontecendo. Na entrevista que acompanha o livro, ela afirma que na época pouca atenção foi dada ao que aconteceu com os judeus durante a guerra. Todos esses artificios não funcionam para criar o clima de tensão e gerar empatia da maneira esperada. Por ser um recurso repetitivo, o leitor sente que muito está sendo gasto com pensamentos de Helga que nem mesmo eram os que passaram por sua cabeça na hora – e pouco na história propriamente dita.
O verdadeiro valor do registro está em percebemos o quanto de imaturidade e inocência ainda havia em Helga e como a situação evoluiu do absurdo mal trato para a completa perversidade que lemos na segunda parte do relato. Ela foi mandada para Auschwitz junto com a mãe quando tinha 15 anos.
É a segunda parte que faz valer o livro. Ainda que oscile entre tempo presente e passado, aqui a narrativa de Helga se torna mais fluida e menos especulativa, de fato registrando os acontecimentos pelo qual passou em longas passagens. Ainda que este seja um assunto tratado por diversos livros, filmes e afins, percebemos honestidade no que Helga e nos conta e aqui é possível se emocionar com seu ponto de vista particular sobre a rotina no campo de concentração.
Em Auschwitz, Helga percebe que teve “sorte” ao ter passado a maior parte do tempo em Terezín, onde tinha um quarto, podia se alimentar e vestir. Agora, eles mal são alimentados, mal têm onde dormir, suas cabeças são raspadas e não há roupa para o frio, além de viverem sob gritos, ameaças, bofetadas e provas de resistência. Ao longo do relato, percebemos que a sobrevivência de Helga se deu por conta de sua enorme força e capacidade de adaptação, aliados a golpes de sorte como seu pai ter conseguido um trabalho administrativo (e impedido que ela e sua mãe tenham sido incluídas em alguns transportes) ou o trem que a levava para a câmara de gás em Mauthausen, já próximo ao fim da guerra, ter chegado quatro dias após a última leva de judeus ter saído e a Cruz Vermelha ter chegado.
Como todo relato de guerra, chama atenção no livro a extrema maldade humana e alguns pequenos lampejos de bondade, como o povo que levava comida para os prisioneiros transportados nos trens em Praga, um guarda que fingia não ver atos considerados “transgressores” como envio de cartas, abraços ou desvios de comida ou uma outra que cedeu um trapo sujo para que se protegesse a cabeça do extremo frio.
As ilustrações de Helga e as fotos enriquecem bastante esta edição, que além do diário traz também notas do organizador, mapas, um prefácio escrito por Helga, notas, glossário e uma informativa entrevista que ajudam a entender e aprofundar melhor a história da autora e os acontecidos posteriores. Por que vale a pena ler mais um relato sobre o Holocausto? Helga responde: “Principalmente por ser verdadeiro. (…)Muitas coisas apareceram. Nem todas são boas; algumas são muito ruins. E outras distorcem o que aconteceu. Há informações erradas, coisas que não aconteceram e que sequer poderiam se ter passado...” (pág. 221)
O DIÁRIO DE HELGA
Helga Weiss
[Editora Intrínseca, 256 páginas / 2013]
Tradução: George Schlesinger
Preço: R$39,90