PALACIANOS DEMAIS
Em O Reino Que Não Era Deste Mundo, historiador Marcos Costa fala sobre uma princesa estrategista, mas que errou feio na dose política dos seus atos
Muito já se escreveu sobre a família imperial brasileira, principalmente do segundo reinado, a sucessão do trono, a queda do império, o exílio de um imperador altivo. Pouco se sabe, contudo, o que realmente levou cariocas a apoiarem uma república forjada em militarismo e orgulho no lugar de uma monarquia que teria no centro do poder a primeira mulher a governar uma nação americana.
Entre a possibilidade de se ter um consorte francófono e as convenções que rodeavam o status quo da sociedade carioca daquela época, digamos que os bem nascidos da Guanabara escolheram o machismo como suporte de suas consciências em 1889.
Leia Mais
Cumbe e as histórias pouco conhecidas da escravidão
Novas HQs olham para a história do Brasil
Dom Pedro ganha biografia por Spacca
Os argumentos que rodeiam os livros de história, principalmente os que são utilizados nas escolas, estão cheios de preconceitos repetidos de toda a maneira como o de uma princesa mais afeita às questões caseiras, um marido mais focado em fofocas e intrigas palacianas do que numa corte sem visão de futuro e cheia de xenofobia embutida em seus vestidos e fraques.
Ainda hoje é difícil mensurar o quanto a princesa Isabel esteve empenhada nas questões nacionais, o quanto o Conde D’Eu realmente interferiu na política local. O que se auferiu, não passam de fofocas. O que se sabe bem repetidamente é que os conservadores orquestraram um golpe para colocar o sobrinho da princesa no trono, quem sabe, um de seus filhos… O argumento de Cotegipe – talvez a pessoa por trás de tudo -, continua se resumindo a sua falta de habilidade em receber ordens de uma mulher.
A questão dos escravos foi a mais legítima de todas e só o historiador mais supérfluo conseguiria sustentar a tese de que era a servidão o sustentáculo da coroa. Erro crasso. O que manteve Pedro II foi a rede de relações que ele fundou de dentro do Palácio da Cidade e que se estendiam para as paredes da Câmara e do Senado. Uma rede extremamente pantanosa e de difícil compreensão tendo em vista as prerrogativas de um imperador com visão de futuro, mas conservador ao extremo, libertário, mas quase um ditador.
O erro da princesa foi esperar demais. Esperou que toda a influência do pai caísse por terra para, finalmente, iniciar a construir o seu castelo de sustentação. Quando na verdade deveria ter balançado seu leque ainda quando jovem, construindo bem o culto a sua própria personalidade. Procurou estabelecer seus pilares justamente entre aqueles que não tinham direito a voto e que não passavam segurança política a seu ninguém: jovens burgueses e senhoras dedicadas.
É justamente sobre essa parte da história cheia de cortina de fumaça da fofoca que Marcos Costa fala em O Reino Que Não Era Deste Mundo, lançado pela editora Valentina. O historiador vai fundo nas causas que levariam ao fim da monarquia e à ojeriza ao terceiro reinado no Brasil. Ele revisita o período da Regência, a infância de Pedro I, passa pela independência até chegar no dia da queda. Uma digressão, digamos, longa demais.
Costa revisita os fatos a partir do seu olhar, interpretando cada uma das ocasiões de forma a sustentar sua tese. O que deixa escapar é a necessidade superior de confirmar e atestar toda sua ótica com provas documentais, confrontando olhares e revirando a gaveta desta fase tão importante da nossa história. Boa parte de sua fonte são missivas trocadas entre a princesa e o imperador, encaminhando o leitor para apenas uma única versão dos fatos.
Ao longo das 266 páginas muitos parênteses são abertos e todos eles fechados com o olhar simbólico do próprio autor. Mesmo com essa nova visão do papel da princesa e a confirmação do egoísmo doentio da elite carioca de sua época, Mario Costa não consegue responder se as estratégias da princesa estavam calcadas na sala do trono ou na cozinha do palácio? Se ela, de fato, estava preocupada com o desenvolvimento econômico e político do País.
A bem da verdade, a princesa quis ser popular e esqueceu que na roda viva da política é preciso, antes de mais nada, estar rodeado dos que ditam as regras e nesse caso não era ela, nem a família imperial.
O REINO QUE NÃO ERA DESTE MUNDO
De Marcos Costa
[Editora Valentina, 266 págs, R$ 29,90]