A MÃE NATUREZA, ESTA VILÃ
Novo livro de Santiago Nazarian, Biofobia, é um thriller existencialista que revisita o passado e o presente de um homem rodeado pelo seu próprio fracasso
Um rockstar sem carreira de relevância, já na casa dos 50, volta à casa de campo da mãe, uma escritora premiada e famosa, para participar do rito de despedida dela, que cometeu suicídio. A sinopse de Biofobia, novo título do escritor Santiago Nazarian, lançado pela Editora Record, bem que poderia ser esse, mas seríamos levianos demais ao desconsiderar todos os elementos desse thriller pop que lança mão de tantas referências externas e traz um retrato tão existencial e crítico.
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André, o protagonista de Nazarian, é um homem incauto e a mais retumbante representação do fracasso, da frustração e da crise. Tendenciosamente antipático e egocêntrico, esse anti-herói enxerga nos que estão ao seu redor somente a função: a irmã, a ex-namorada, o amigo, a menina do amigo, a empregada. Eles não têm nome, mas papeis muito bem medidos na vida de André, que espera que eles cumpram suas missões de acordo com suas próprias vontades e necessidades. Um narcisista genuíno, que intensifica a força de seu ego com viagens lisérgicas, aditivos marotos, bebida… sempre drogas sintéticas, um verdadeiro ode ao anti-natural.
A história começa quando, após o suicídio da mãe, uma escritora renomada que já recebeu o prêmio Jabuti, André se vê obrigado a ir na casa dela realizar seu último desejo: organizar um evento em que amigos e familiares levem para suas casas tudo o que desejarem. Fazem parte do espólio livros, utensílios domésticos, quadros – o pai de André era pintor -, eletrodomésticos e assim por diante. Nosso protagonista chega um dia antes e embriagado, quase não consegue acompanhar a chegada e a retirada de tudo que tornava a casa da mãe povoada.
E em meio à sua tormenta de lamentar-se pelo fracasso retumbante de sua vida ele espera que a ex-namorada, a irmã ou amigos o resgatem desse poço sem fundo que se transformou sua existência. A partir de suas próprias reflexões, André passa a ter uma relação extremamente abstrata com a natureza. O mato consome tudo fora da casa de sua mãe. Não há animais, mas apenas ecos de sua existência. André não vê pássaros, grilos e animais vivos, mas apenas zumbidos, latidos e barulhos que os representam, como se a natureza consumisse tudo que há nela, quase como uma serial killer de si mesma.
A realidade da morte da mãe traz para André muito mais que o fim de um ciclo, mas como o prelúdio de uma nova realidade em que é necessário encarar, sozinho, tudo que fez de si e dos outros. Não é mais possível fugir das dores. As ameaças precisam ser enfrentadas e em Biofobia elas vêm da natureza, que questiona, relê a si mesma e se comporta como uma devoradora.
E dessa forma, Nazarian questiona a entendimento ocidental da natureza enquanto algo externo ao homem e que pode, em uníssono, ser dominada, controlada, moldada às suas necessidades mais mundanas e mais elevadas. André representa essa atitude do homem ocidental, pois ele consome e usa a natureza a cada uma das páginas, mas acaba sempre, por acabar, no mínimo em empate, principalmente quando o galho da árvore, insistentemente, bate na janela como um pica-pau e vence a batalha por não se deixar ser cortado.
A surpresa maior do livro surge nas últimas 50 páginas, quando André se vê surpreso com a declaração da mãe ao seu respeito em uma entrevista de televisão. Ele passa a questionar a si mesmo, sua sanidade, suas escolhas e esse fato funciona como chave para descobrirmos uma faceta macabra e maligna de André. Será que tudo aquilo aconteceu ou não passou de uma puta viagem? Será que o André que nos foi apresentado é mesmo um rockstar falido e fracassado? Será que…? Santiago não nos dá uma resposta fácil. Deixa um monte de hiatos ao final, quase como um filme de terror em que, no último minuto vemos o assassino escapar, deixando margem para uma continuação.
Uma das coisas mais saborosas da narrativa em Biofobia são as referências. Ele fala de outros autores, de músicos de hoje, de desenhos animados que marcaram nossa infância, com a naturalidade genuína de uma pessoa real, como nós. Sem o artificialismo de joguetes literários, mas com simplicidade e solidez.
BIOFOBIA
Santiago Nazarian
[Record, 240 páginas, R$ 30 / 2014]
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