Crítica – HQ: Talco de Vidro, de Marcello Quintanilha

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Foto: Divulgação.
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HQ Talco de Vidro expõe mal estar e infelicidade da classe média brasileira

Por Paulo Floro

O mal estar da classe média está escancarado na nova HQ de Marcello Quintanilha, um dos quadrinhistas brasileiros mais reconhecidos no mundo. Na obra, conhecemos os dilemas existenciais de Rosângela, uma dentista bem-sucedida que se vê em um vórtice de inveja e fascinação por sua prima pobre. Talco de Vidro é uma espécie de thriller psicológico que explora a solidão e tristeza dos dias atuais e o preconceito de classe.

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Rosângela, a personagem principal, tem um olhar vazio e distante e parece angustiada mesmo com todos os privilégios que desfruta no topo de sua carreira de sucesso. Mora em uma casa espaçosa, é casada com um cirurgião que é também um marido atencioso e tem dois filhos que estudam no melhor colégio do Rio de Janeiro. Mas nada preparou Rosângela para o choque que teve ao se deparar com o sorriso verdadeiro e vívido de sua prima sem muito dinheiro e com histórico de casamentos destruídos e violência doméstica.

A inveja vai consumindo a protagonista a ponto de empreender uma transformação brusca em seu cotidiano. Esse sentimento acaba destruindo aquela realidade perfeitinha da classe média e desnudando um outro lado das relações sociais até então desconhecida por Rosângela. As diferenças de classe em uma mesma família explicitam as desigualdades sociais brasileiras como algo trágico. Quintanilha usa seu talento de cronista do Brasil atual para criar situações incrivelmente verossímeis.

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As visitas de Rosângelas à casa de sua prima são tão constrangedoras como perturbadoras. O preconceito velado aparece no mal estar disfarçado da dentista em tomar café em copo de requeijão e comer bolacha cream craker com margarina. Na sua obsessão pela felicidade alheia, Rosângela não compreende como, apesar de seu poder aquisitivo, lhe falta a felicidade genuína que atribui à sua prima. A HQ tem a história contada em terceira pessoa, com a personagem divagando e refletindo sobre a própria situação. Isto dá ao álbum um tom de ensaio. Quintanilha traz ainda os diálogos realistas, uma de suas marcas como roteirista.

Divulgação.
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Conhecido por retratar trabalhadores, prostitutas, bandidos e outros personagens do cotidiano das periferias brasileiras, Quintanilha volta seu lápis para a classe média. Ao rasgar o fino tecido que esconde uma realidade isolada, o autor expõe as desigualdades que preferimos não perceber. Talco de Vidro também mostra um outro lado do autor no que diz respeito à narrativa. Neste livro a proposta é mais introspectiva, abusando nos recordatórios, fluxo de pensamento e até mesmo da repetição de pensamentos, como se fôssemos parte da consciência da protagonista.

Depois de retratar uma Salvador cheia de dilemas sociais em Tungstênio – uma das melhores HQs de 2014 – Quintanilha usa Niterói, sua cidade natal, para explorar as mudanças na vida de Rosângela. Todos os cenários aparecem com um propósito à trama, seja a visita à Praia de Itapuca, seja nas diferenças sociais explícitas entre o rico bairro de Icaraí e a pobreza de Barreto.

A HQ sai pela editora Veneta, que deu o mesmo tratamento de luxo que vimos em Tungstênio: capa dura, papel de alta gramatura. Pela importância do autor nas HQs nacionais, falta uma biografia e até mesmo um prefácio que contextualizasse sua obra e estilo. Com este Talco de Vidro, Quintanilha apresenta mais uma obra perturbadora, densa e incrivelmente próxima.

talcoTALCO DE VIDRO
Marcelo Quintanilha
[Veneta, 160 págs, R$ 59,90 / 2015]

9,5

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