PASSADO E PRESENTE
Novas HQs brasileiras revisam história e política do Brasil de D. Pedro 2ª aos protestos de 2013
Por Paulo Floro
O quadrinho nacional anda procurando em nossa própria história inspiração e apoio para criar boas histórias. É o que demonstram novidades das HQs brasileiras este ano. Do ensaio histórico As Barbas do Imperador até o revisionismo de A Luta Contra Canudos, as livrarias e lojas especializadas estão cheia de boas opções.
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Em todas elas, os quadrinhos serviram como uma janela para contar um ponto de vista particular da história brasileira. E o meio auxiliou nessa tarefa, já que possibilitou uma leitura menos engessada e presa a amarras técnicas como cinema e TV. No caso de As Barbas do Imperador, vimos uma adaptação bem-sucedida da literatura para os quadrinhos. Em 1998, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz criou o que seria um dos maiores clássicos do gênero ensaio no Brasil, vencedor do Prêmio Jabuti no ano seguinte.
O trabalho é fundamental para entender a importância da monarquia portuguesa na formação da sociedade brasileira. Lilia investiga com uma linguagem objetiva e sem muitos rodeios academicistas como o ideal de “civilização” imaginado por d. Pedro 2º se deu na realidade. Baseada em extensa pesquisa, ela analisa a vida do monarca desde seus primeiros anos até sua velhice, convidado a se retirar do país, passando pela desastrosa atuação do seu governo na Guerra do Paraguai.
Na HQ, Lília levou o mesmo misto de ensaio interpretativo com biografia e contou com o traço de Spacca, com quem já trabalhou em D. João Carioca. A dupla conseguiu achar um tom dinâmico que faz o leitor “passear” pelos fatos de maneira muito fluída. Para isso, Spacca adaptou a narrativa clássica dos quadrinhos para incluir infográficos, painéis ilustrados com informações, mapas, pinturas, documentos e outros recursos que pulam como pop-ups na leitura, sem deixar o leitor divagar. É um trabalho de fôlego que, sem a devida habilidade, poderia cansar pelo excesso de informação.
As Barbas do Imperador é um trabalho que busca uma visão nova do nosso entendimento como nação. A mistura de tradições rígidas das cortes europeias com os costumes populares, o legado da escravidão e a busca por um modelo de desenvolvimento que desse conta tanto do progresso das elites escravistas quanto do pensamento libertários das sociedades europeias e norte-americanas está bem destrinchado no livro. É esclarecedor o modo como Lília e Spacca mostram a estratégia de d. Pedro 2º em construir uma memória nacional. Nessa tarefa árdua, ele acaba imaginando uma espécie de monarquia tropical apoiada no mito do selvagem nobre, de características e valores tipicamente europeias.
O livro ainda conta com esboços, uma linha do tempo, imagens do período, bibliografia e material de apoio usado pelos autores, como pinturas e obras de pensadores.
Conselheiro, o líder armado
No novo livro de Daniel Esteves, Jozz e Akira Sanoki, A Luta Contra Canudos, Antônio Conselheiro é, antes de tudo, um líder militar. A HQ conta a história da resistência do povoado de Canudos na Bahia contra tropas da República em 1896.
Em cada capítulo os autores trouxeram o ponto de vista de um personagem: o peregrino, o guerreiro, o inocente, o religioso. É uma estratégia interessante para trazer uma abordagem mais plural do conflito. Em todos eles, a figura de Conselheiro como líder e força-moral da resistência se faz muito presente.
Esteves busca fazer uma leitura mais ampla do conflito, sempre contado de maneira superficial nos livros escolares. Sabemos que se tratava de um movimento anti-republicano, conservador e religioso-militar que lutou bravamente contra diversas investidas de tropas do Exército. Mas, A Luta Contra Canudos ajuda a compreender melhor o contexto político-social da época e, mais importante, das condições de pobreza e desespero das pessoas da região. A leitura é auxiliada por um trabalho bem feito de pesquisa histórica, que trouxe até o falar do sertanejo da época.
Revolta
Em Revolta, o quadrinista André Caliman se prestou a uma tarefa desafiadora: criar ficção em cima de um fato ainda muito próximo de nossa realidade. No caso, as manifestações populares instigadas por problemas sociais no Brasil que atingiram o ápice em junho do ano passado. A HQ faz um exercício de imaginação que se presta a uma catarse de parte da população. Na obra, Caliman cria um grupo de pessoas comuns que decide caçar e matar políticos corruptos.
A obra foi lançada originalmente em capítulos em um blog e depois ganhou versão impressa graças a um financiamento coletivo no Catarse. A HQ fala de um grupo de amigos em Curitiba que se deparam com um justiceiro mascarado que assassinou o governador. Após ajudá-lo em uma fuga, eles decidem continuar o trabalho iniciado e passam a orquestrar sequestros e mortes de políticos acusados de corrupção.
Caliman iniciou a HQ ainda em 2012, antes dos principais eventos que tomaram o noticiário. Ou seja, ele conseguiu antever sentimentos de insatisfação que já pairavam na sociedade muito antes de estourarem em um nível nacional da qual ninguém pôde ficar impassível. A HQ tenta dar um tom de suspense para a história e cria situações com ganchos narrativos que nem sempre funcionam. Além disso, tem alguns personagens que são estereotipados e com ações por vezes maniqueístas.
Mas, Revolta é uma leitura muito interessante de um momento muito recente de nossa história.
AS BARBAS DO IMPERADOR
De Lilia Moritz Schwarcz e Spacca
[Quadrinhos na Cia/Companhia das Letras, 144 páginas, R$ 49 / 2014]
Compre a HQ
Nota: 9,2
A LUTA CONTRA CANUDOS
De Daniel Esteves, Jozz e Akira Sanoki
[Nemo, 64 páginas, R$ 42 / 2014]
Compre a HQ
Nota: 8,0
REVOLTA
De André Caliman
[Independente, 244 páginas, R$ 30 à venda pelo site / 2014]
Nota: 7,5