Crítica: Getúlio, de João Jardim

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Foto: Divulgação.
As relações tensas/ternas de Getúlio e sua filha são destaque (Foto: Divulgação).
As relações tensas/ternas de Getúlio e sua filha são destaque (Foto: Divulgação).

A morte no thriller político de Getúlio

Por Luiza Lusvargui

Deu no “New York Times”: os filmes de ação e suspense de Hollywood, sobretudo aqueles baseados em quadrinhos, transformaram a morte num espetáculo tedioso. Tudo é descartável, inclusive a vida daqueles que se colocam inadvertidamente no caminho do (super) herói, e que morrem para lhe dar passagem.

A vida é um game em How Hollywood killed Death, em que o escritor canadense Alexander Hulls analisa a morte no cinema americano como estratégia de negócios, passando por Os Vingadores – The Avengers, Thor e seguindo até Marvel – Agents of S.H.I.E.L.D, série de TV em exibição na Sony. Pois o longa-metragem que estreou no dia 1º de maio, Getúlio, super-produção da Globo Filmes estrelada por um ator cuja trajetória se confunde com a da Globo, Tony Ramos, consegue transformar uma história já conhecida, num espetáculo de suspense que prende a atenção do começo ao fim.

No thriller político de João Jardim e de George Moura, autor das minisséries O Canto da Sereia, e Amores Roubados, da Rede Globo, no entanto, a morte definitivamente não é um obstáculo a ser transposto, nem o símbolo da luta entre o bem e o mal, mas parte integrante da ação. Desde o atentado contra Carlos Lacerda, sabemos que o protagonista, que não necessariamente é o mocinho, vai morrer.

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Em alguns momentos, o Getúlio de Tony Ramos não convence, mas logo relevamos pela unidade do elenco (Foto: Divulgação).

A direção de João Jardim, a fotografia de Walter Carvalho, e o roteiro muito bem amarrado de George Moura não deixam a adrenalina baixar, o que não é pouco em tempos de super-heróis e blockbusters diluvianos. O filme concentra a ação nos últimos 19 dias do governo Getúlio – desta vez no cargo por eleição – e explora seu antagonismo com Carlos Lacerda, muito bem interpretado por Alexandre Borges.

Em alguns momentos, a barriga de Getúlio-Tony balança de forma duvidosa, quase como a de um Rei Momo, mas a afinação do elenco não deixa nada fora do lugar. A Alzira Vargas de Drica Moraes é perfeita, e suas cenas com o pai, carinhosas e tensas, são um dos pontos altos do filme. O tom quase documental de algumas passagens, como o discurso de Afonso Arinos (Daniel Dantas), e os efeitos de computação gráfica usados para identificar os personagens, entretanto, impedem a narrativa de enveredar pelo melodrama.

A esmerada reconstituição de época, a opção por trabalhar os interiores do palácio do Catete, com poucas externas, o que seria justificável e fácil, para mostrar o mito Getúlio Vargas, considerado o “pai” dos trabalhadores brasileiros, em seu habitat natural, reforçam a sensação de clausura e a ideia de um presidente colocado em uma situação sem saída. O assassinato do major Rubens Vaz na rua Tonelero, em Copacabana, no lugar de Carlos Lacerda, por engano, numa sequência emocionante, e o suicídio de Vargas, dentro desse recorte, se não chegam a nos arrancar lágrimas, como as de um ente querido, representam essa outra face da morte – a da perda de um ideal, um ato heroico, mas também a da morte como uma estratégia política, no caso de Vargas.

O filme não julga Vargas, a figura bonachona que troca olhares cúmplices com a filha, adorado pelo povo. Ele não parece ser culpado por corrupção ou desmandos políticos, apenas uma vítima bem intencionada das armadilhas do poder. O que é absolutamente contraditório, porém confere agilidade e ritmo ao longa, e permite uma leitura que vai além da história brasileira e dá à trama um caráter universal. A personalidade de Getúlio Vargas, o pai dos pobres, o homem que transformou em realidade aspirações trabalhistas, e sua luta contra a oposição, representada de forma emblemática no filme pelo militante comunista Carlos Lacerda, surgem descontextualizadas na tela, mas ainda assim atualizam a eterna contradição entre o poder autoritário, que se estabelece apoiado por reivindicações populares, e a oposição radical que não se constitui como alternativa de poder.

O Anjo Negro, Gregório Fortunato (Thiago Justino), responsável pela segurança pessoal do presidente, e suspeito de mandante do crime da Tonelero, e sua relação com Lutero (Marcelo Medici), filho de Vargas, são a ponta solta do novelo que lança suspeitas sobre a verdadeira natureza das articulações do governo de Vargas, que volta ao poder após o Estado Novo pelo voto, e com o apoio de Samuel Wainer e do jornal Última Hora. O diretor João Jardim acredita que a película traça um paralelo entre a situação atual do Brasil e daquele período, o que poderia até mesmo ser possível, mas não dentro da diegese do filme. Ainda bem, pois um dos atrativos deste lançamento é exatamente o de transformar um episódio importante da vida do País em um thriller político instigante e nada usual na cinematografia brasileira. O filme termina com o trágico suicídio de Vargas, que sai da vida para entrar na história, e assim escapar do desmoronamento de sua figura pública.

Este é o segundo longa-metragem de ficção de João Jardim, diretor de Lixo Extraordinário, indicado ao Oscar de Melhor Documentário em 2010, e dos premiados Janela da Alma (2002) e Pro Dia Nascer Feliz (2006).

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De João Jardim
[BRA, 2014 / Copacabana Filmes]
Com Tony Ramos, Drica Moraes, Alexandre Borges

Nota: 7,5