Elysium explora o abismo de ricos e pobres em sci-fi pessimista
Longa com Matt Damon e Wagner Moura faz crítica social misturada com cenas de ação óbvias
Por Paulo Floro
O diretor sul-africano Neill Blomkamp conseguiu com apenas um filme afirmar sua visão muito particular sobre a ficção-científica. Em Distrito 9 ele usou uma invasão alienígena no planeta Terra para discutir o legado de hostilidade e racismo que ainda existe na África do Sul pós-Apartheid (e numa leitura mais ampla no abismo entre ricos e pobres no mundo todo). Ele reitera essa mesma abordagem com Elysium, filme estrelado por Matt Damon que estreia no Brasil esta semana.
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O longa mostra um futuro onde a Terra é um imenso lixão e os humanos ricos partiram para morar em um satélite em órbita do planeta. As pessoas que moram neste lugar vivem em um exílio confortável, onde não há doenças e tudo é gerido por um sistema automatizado servido por droides. Ninguém precisa mover um dedo. Damon é um detento em condicional que vive em uma Los Angeles paupérrima, hiperpoluída e sem nenhuma perspectiva. Trabalha em uma fábrica em condições desumanas até que um acidente o deixa à beira da morte. Sua única saída é recorrer à Spider (Wagner Moura), um hacker especializado em emigrar pessoas ilegalmente para Elysium. O problema é que Spider tem um plano muito mais ambicioso e que pode colocar em risco todo o estilo de vida das pessoas ricas que habitam o satélite.
A presença dos atores brasileiros Moura e Alice Braga (como uma enfermeira que precisa curar a filha doente) foi bastante comentada na mídia antes do longa estrear e tem seu hype justificado. Os dois ganharam papéis importantes na trama e conseguiram conquistar a audiência toda vez que aparecem na tela. O roteiro soube dar relevância para todos os personagens e usar a multiculturalidade como uma vantagem. Traz ainda o mexicano Diego Luna e o sulafricano Sharlto Copley, revelado como o protagonista de Distrito 9.
O de cima sobe e o debaixo desce
Blomkamp segue à risca seu discurso: o sistema capitalista tem em sua base a exploração dos mais pobres. No caso de Elysium, o sistema é gerido por uma dependência inescrupulosa sem a qual não seria sustentável. A secretária Rhodes, interpretada por Jodie Foster tem uma determinação quase religiosa para manter esse panorama. Nem que para isso precise matar, sabotar e conspirar até contra seus próprios pares. Impassível e cruel, ela é uma vilã um tanto óbvia, mas com uma determinação tão inspiradora que é impossível fugir de seu carisma.
Blomkamp trabalhou aqui com um simbolismo muito evidente, mas nem por isso superficial. Há muita atualidade em seu filme, algo que apenas as boas ficções-científicas são capazes de captar com afinco. Ciberespionagem, falência dos governos, falta de acesso a direitos básicos, dependência da tecnologia (há quem diga que Elysium é uma versão violenta e cyberpunk de Wall-E, da Disney). A narrativa do filme é cheia de evoluções que torna a exibição mais digerível para as grandes audiências que o anterior Distrito 9. Foi a concessão feita pelo diretor nessa sua grande empreitada em Hollywood. O que ele perdeu em nuances e inovações de seu último filme, ele ganhou em visual.
Para quem apostava nele como o próximo grande autor comprometido com a ficção-científica de qualidade fica a decepção ao encontrar cenas de ação convencionais e pouco apuro estético. Mas tem hora que é preciso jogar o jogo dos estúdios. E nesse embate, até que Blomkamp se deu bem. Sua maior qualidade permanece intacta: que é acreditar que a melhor ficção futurística é aquela que faz previsões sobre os nossos piores medos no presente. Para Blomkamp, distopia do futuro já está rolando nos dias de hoje.
ELYSIUM
De Neill Blomkamp
[Elysium, EUA, 2013 / Sony Pictures]
Com Matt Damon, Jodie Foster, Wagner Moura, Alice Braga
Nota: 8,0