JANELLE MONÁE
Dirty Computer
[Warner, 2018]
Produzido por Janelle Monáe, Nate “Rocket” Wonder, Chuck Lightning & Puff Daddy
Dirty Computer, projeto multimídia que inclui filme de 40 minutos, é também o disco mais pessoal da cantora
Janelle Monáe se estabeleceu como um dos nomes mais ousados dentro do R&B e do pop desde seus primeiros trabalhos. Baseada em uma estética que busca referência no afrofuturismo, no pop vintage e sempre almejando caminhos esquisitos e distantes dos clichês sexistas atribuídos às cantoras na indústria musical, Janelle é um exemplar único dentro de seu gênero. Com Dirty Computer, terceiro trabalho que acaba de sair, ela reforça todas essas suas características, mas se mostra mais vulnerável e pessoal.
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Com participações especiais de Grimes, Brian Wilson e Stevie Wonder, o disco é um exemplo de ecletismo e conceito, buscando elevar um pop já bastante particular. Já conseguimos perceber que trata-se de uma artista que força os limites do gênero ao mesmo tempo em que se mantém bastante acessível, divertida e dançante. Desde os primeiros singles, “Django Jane”, “Make Me Feel” e “PYNK“, os caminhos apontados pareciam mostrar que arte e conceito estavam resolutos, intrínsecos como partes essenciais do disco.
Entre os temas levantados por Monáe desta vez estavam a libertação do corpo feminino, a sexualidade aberta, as questões de gênero, raça e a estética queer. Comunicando sua arte em som e imagem, Dirty Computer faz jus ao fato de ser um álbum visual, com clipes e artes que formam um conjunto interessante para trazer a visão da artista. Em “PYNK” temos Janelle e suas amigas celebrando a vagina sem tabus em meio a uma batida house-pop minimalista da amiga Grimes. Já “Django Jane” mostra Janelle como uma líder tribal enquanto brinca com referências étnicas.
No dia do lançamento do disco, a artista lançou seu “emotion picture”, um filme que discute de forma conceitual as referências trazidas no disco como um todo, misto de ficção-científica e comentário político para falar, sobretudo de sexualidade e gênero. Na América futurista de Janelle, a plenitude existe apenas no reforço da própria individualidade. E, evidentemente, isso gera conflitos, uma vez que a sociedade tende a enxergar as minorias, os pobres, etc, como “bugs”, falhas no sistema, daí o nome do disco, Dirty Computer (computador sujo, defeituoso). O disco é uma celebração de todas as pessoas marginalizadas, especialmente as mulheres negras confiantes de sua própria sexualidade.
O filme que acompanha o disco, que traz a participação da atriz Tessa Thompson, é um primor estético que mostra ainda o talento de Janelle como atriz (ela já participou de filmes como Moonlight, entre outros). São 40 minutos de bonitos efeitos especiais, narrativa coesa e uma linda direção de arte que servem de pano de fundo para as faixas do trabalho.
Além desse conceito sci-fi, o disco ainda revela uma artista mais vulnerável, bem mais aberta que seus trabalhos anteriores, se despindo de sua personagem para falar de momentos mais íntimos. “I Like That”, faixa meio melancólica, fala de uma paixão adolescente e expurga aquele momento de baixa autoestima que muita gente passa na juventude.
Musicalmente, Dirty Computer é um disco mais pop e acessível de Janelle, com destaque para a influência de Prince, que chegou a colaborar com a produção antes de falecer em 2016. Mas é injusto dizer que este é um álbum menos elaborado que seus anteriores. The Electry Lady e ArchAndroid traziam uma sonoridade mais inovadora, se aventurando na mistura de jazz e funk. Mas este novo disco traz mais sofisticação enquanto projeto artístico e multimídia. É Janelle, ao seu modo, compartilhando a sua experiência do que é ser uma mulher negra nesse tempo tão confuso.
O disco entra para o rol de clássicos do pop atual, a exemplo de Lemonade, de Beyoncé e To Pimp A Butterfly, de Kendrick Lamar, discos que igualmente trazem uma reflexão pessoal e política sobre a América de hoje ao mesmo tempo em que adicionam inovações no gênero em que atuam.