O EVANGELHO DE ADÃO ITURRUSGARAI,/big>
Direto como um pênis sobre a mesa, nova HQ do cartunista reúne nonsense e escatologia em 30 anos cheios de personalidade
O cartunista gaúcho Adão Iturrusgarai trabalha no campo do ridículo, o que em uma primeira análise pode parecer algo banal e fácil, mas trata-se na verdade de um dos mais desafiadores e difíceis tipos de humor. É uma comédia que se destaca por encontrar graça no trivial e por debochar de coisas que muitos inferem importância demasiada (caso da sexualidade, por exemplo). Um veículo que é a mistura de um testículo, peitos, bunda, pênis e tendo o pum como propulsor é a imagem que resume o propósito de Adão. E isso está na capa de seu novo livro, A Máquina do Tempo, que acaba de sair pela Zarabatana.
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O trabalho reúne HQs publicadas ao longo de 30 anos da carreira do cartunista. Nascido no Rio Grande do Sul, Adão ficou famoso com a personagem Aline, que acabou virando série de TV na Globo e desenho animado. Outras criações conhecidas são os caubóis gays Rock & Hudson. Mas o destaque do livro é revelar uma produção que vai além desse universo mais conhecido do autor. A Máquina do Tempo segue uma ordem cronológica às avessas, começando com o ano de 2013, com uma HQ sobre cross-dresser (clara referência ao amigo e colega Laerte, hoje assumidamente travesti) e terminando em 1983, em uma tira sobre sadomasoquismo.
Outra obra bem interessante, mas pouco conhecida é a série “Stronzata Galattica”, lançada em 2013 e lançada em nove capítulos. A história mostra dois astronautas Pippo e Rocco, que viajam pelo espaço em busca de vida em outros planetas. A leitura segue uma ordem espiralada, dando alguma experiência de flutuar no espaço. Dessa forma, o final do quadrinho sempre acaba no centro da página. Experimentações assim são raras em HQs de humor.
Outra coisa a se destacar é o modo como Adão aborda o sexo em seus quadrinhos. Se em Aline ele trata de feminismo e questões de gênero de maneira despretensiosa e Rocky & Hudson, da homossexualidade sem muita neura ou drama, aqui, com seus personagens “anônimos”, ele parece ainda mais solto. Escatologia, pessoas com mutações esquisitas de órgãos genitais, muita coisa nonsense permeia as páginas. Mas são as tiras sobre relacionamentos e sexualidade as mais engraçadas. E nem foi preciso nenhuma tirada misógina ou controversa para fazer graça – nem tão pouco um humor meio besta, chapa branca ou covarde.
A Máquina do Tempo ainda traz a participação especial de Laerte, em uma HQ lançada em 1998, roteirizada por Adão. Na história “Fuck, Fuck, Fuck”, um homem comum entra sem querer dentro de um sistema corrupto e degenerado e acaba passando por uma transformação completa. A Máquina do Tempo é uma HQ essencial para quem quiser fazer uma viagem pela obra de Adão – e seria incrível se todos os grandes cartunistas do Brasil tivessem um volume parecido. Pena que a edição não trouxe nenhum extra, que contextualizasse as diversas fases, as histórias principais e outros detalhes sobre a obra. Não há nem mesmo uma biografia do autor, por mais curta que seja.
A MÁQUINA DO TEMPO DE ADÃO ITURRUSGARAI
Adão Iturrusgarai (texto e arte), com part. de Laerte (arte) e Verde e Gilmar Rodrigues (texto)
[Zarabatana Books, 64 páginas, R$ 42 / 2014]
Nota: 8,0