josyara 2

Crítica: A diversidade sonora e os desabafos de Josyara no novo disco ÀdeusdarÁ

Mantendo as influências dos ritmos afrobaianos, cantora investe no casamento da percussão com elementos eletrônicos, versando sobre questões políticas, ambientais e sociais

Crítica: A diversidade sonora e os desabafos de Josyara no novo disco ÀdeusdarÁ
4.5

Josyara
ÀdeusdarÁ
Deck, 2022. Gênero: Pop, MPB, Afropop

A raiz, os batuques, o embalo e a ginga da musicalidade baiana cheia de Axé encontram os beats e synths de uma vertente eletrônica mais contemporânea e baladeira em ÀdeusdarÁ, novo disco de Josyara. Pela primeira vez totalmente imersa nos processos de direção, arranjos e instrumentalização do trabalho, a cantora faz uma estreia cheia de experimentação trazendo novidades num som pop, afrobaiano e permeado por comentários políticos, ambientais e sociais.

A popular expressão que dá título ao álbum, não tem crase em sua grafia original, sendo ela incluída para estabelecer uma brincadeira gramatical, transformando “deus” em sujeito feminino ao fazer alusão à força feminina que rege o mundo.

Produzido no percurso desafiador do período de pandemia, o novo disco vem na esteira de Mansa Fúria (2018), trabalho de estreia da carreira da artista. O violão protagonista de um dedilhado único e sambista do primeiro é mantido neste novo lançamento, assim como as influências dos ritmos afrobaianos, desta vez com um espaço um tanto mais predominante para uma percussão bem preenchida em todas as faixas e a eminência dos elementos eletrônicos, mais discretos em 2018.

Impossibilitada, por causa da pandemia, de realizar shows e trabalhos criativos com outras pessoas, como já fez com artistas como Pitty, Maglore, Di Melo, ANNÁ, Obin Trio e Giovani Cidreira, Josyara promoveu a si mesma um mergulho no estudo da produção musical. No aprendizado, desbravou os sintetizadores, samples, começou a fazer bases, gravações, encontrando uma nova maneira para compor músicas e criar sons. O disco conta com a parceria de Icaro Sá assinando o arranjo das percussões e Seko Bass na coprodução de três faixas, ambos músicos do BaianaSystem.

Josyara Maria Mango II
O amanhã brilhará mesmo que o sol venha se esconder precisando chorar por nós“, canta Josyara no novo disco. (Divulgação).

Numa gama de temáticas, com reflexos do período de pandemia, quando mazelas se acentuaram, as 10 faixas alternam em celebrar, lamentar, protestar, criticar, falar de amor, e ainda exaltar o Candomblé, alimentadas na versatilidade e nuances musicais da artista.

A primeira faixa já traz a essência do disco. “ladoAlado” começa com percussão leve enquanto Josyara pergunta: Quem sustentará o meu sofrimento? Quem se importará com a minha dor? O eu-lírico não foge de ser corpo político, à medida que a canção versa sobre quem sofre das mesmas dores, e faz alusão a esse sentimento de semelhança entre pessoas pretas. A atmosfera de muito violão e beats é brindada pelos tamborins cheios de ginga. Aqui está a parceria com a cantora  Margareth Menezes, que chega com vocalizes distantes até assumir o protagonismo em tom de protesto e desabafo: Rasgando a goela, soltando feras, e Sambando alegre, enfrento a guerra do abandono.

Em sequência, “Ouro&Lama” vem com críticas socioambientais num sambinha de violão veloz, dizendo que prometeram ouro pra colher, pra comer, lama pra comer e pra varrer. A canção pergunta quanto valeu a destruição da natureza, dos bichos, das águas, a erosão da fé. Os sintetizadores encarnam uma estética de violino com toques eletrônicos em “MAMA”, abrindo vez para um violão que acompanha o cantar de Josyara, incorporando o eletrônico, uma batida mais funk, fazendo valer as experimentações da artista-diretora. É uma música que traz ainda backs com  efeito stereo, percussão axé no refrão, entrada dos beats, música que traduz toda a versatilidade do álbum. Fala sobre um nó no coração, e apresenta o que parece ser a figura da mãe solo que batalha pra cuidar de suas crias.

Já a faixa homônima traz um eu-lírico que está indo embora e dá adeus. O clima bem pra baixo é estabelecido nos primeiros momentos e recebe a eletrônica ao passo que a voz de Josyara adere mais expressão. Traz clarinete numa junção inédita com a percussão batucada e termina com o charme de um samba. Em “CLARÃO” vem o anúncio da chegada da paz do branco de Oxalá, com uma guitarra dedilhada acompanhando uma melodia gingada, que mistura os instrumentos de corda, em ar quase reggaeton.

“Berr0” tem um violão de fundo junto a uma sanfona tímida, um assobio eletrônico e beats envolventes. A letra lamenta É tanto choro e ainda esperançosa diz que o amanhã brilhará mesmo que o sol venha se esconder precisando chorar por nós.

Mudando a atmosfera e servindo como um átrio para a sessão da paixão e do festejo, vem o interlúdio “bilhetinho”. Guitarrinha já começa animada, efeitos carregados, enquanto se canta Mandei um bilhetinho falando do meu amor e se espera a resposta. O final pode te provocar a sensação de achar que o disco arranhou, mas é proposital na transição para “Melancia”. Esta, traz uma performance mais tropical, mais fruta mesmo (se isso fizer sentido). O eu-lírico caiu na delícia de uma mulher, Quando me viu cara de cio, e melou a boca de mel quando chupou a melancia madura do quintal da desejada. Evidentemente narrando um amor de mulher para mulher, dá pra considerar que a melancia de Josyara é equivalente a maçã de Luísa Sonza, se for preciso uma explicação.

“Essa Cobiça” traz as batidinhas de um triângulo e percussão xote/baião, além de uma guitarra reggaeton. A letra pede o amor de volta para viver o que quer viver. O clipe que acompanha a faixa protagoniza o amor entre mulheres, ambientado num bar, exalando a sensualidade através da dança coladinha. No desfecho do disco, os dedilhados das cordas do violão iniciam o literal “canto à liberdade”, na faixa de mesmo nome, e confirma No tempo do medo nunca falha te esperar.

ÀdeusdarÁ é uma experiência exitosa nesse trabalho multitarefa de Josyara. Com conteúdo, tendo sobre o que cantar, segura, sem medo de testar, ela apresenta potencial, bom gosto e ousadia. Tendo assim riqueza, diversidade e produto musical, que podem e devem levar a artista a alcançar outros patamares na cena nacional da música.

Leia mais resenhas de discos: