Criaturas do Senhor
Anna Rose Holmer e Saela Davis
EUA, Irlanda e Reino Unido, 2022, 1h40, 14 anos. Distribuição: California Filmes
Com Emily Watson e Paul Mescal
Em cartaz nos cinemas
O bom filho à casa torna. Pelo menos, é isso o que nos assegura o ditado popular. Mas, e os maus filhos, será que algum dia também voltam? Em Criaturas do Senhor, drama codirigido por Anna Rose Holmer e Saela Davis, o jovem Brian O’Hara (Paul Mescal) retorna para casa sem explicações e pega de surpresa sua mãe Aileen (Emily Watson) e toda comunidade da pequena vila irlandesa onde cresceu. Apesar de nunca ficar exatamente claro, nem mesmo para o espectador, o porquê desse repentino regresso, as entrelinhas nos indicam que o presente abriga as sequelas de um passado mal resolvido.
A verdade é que, num primeiro momento, não conseguimos apontar nada de concreto contra o rapaz, ainda que possamos sentir um certo desconforto com a sua presença ali. Ele parece ser doce e está disposto a retomar o falido negócio de criação de ostras de sua família. Enquanto isso, vemos em Aileen uma figura materna acolhedora e radiante com cada passo do seu menino dos olhos de ouro.
Mas as recepções desconfiadas da irmã Erin (Toni O’Rourke) e do pai Con (Declan Conlon) ao lado da recusa de uma amiga da família a doar a Brian as roupas do seu falecido filho, e até o hábito do rapaz de jogar no chão do quarto as roupas sujas para que a mãe as lave, somam-se a outros tantos detalhes que nos dão pistas sobre quem pode ter sido ele antes de partir e quais são as tensões ali latentes. Tudo vai se esmiuçando a medida em que nós vamos captando o sentido implícito na sutileza de cada ato.
A atmosfera do filme é turva, com a pequena vila na costa irlandesa, no que aparenta ser os anos 1990, servindo como um envolvente pano de fundo. E, através do olhar atento, também desvendamos as dinâmicas dessa comunidade cuja própria organização social baseada na pesca é, simultaneamente, ancorada nos papéis de gênero: para os homens, cabe o ofício da pesca e da criação de ostras, enquanto as mulheres — mães e esposas — trabalham na empresa local de processamento de frutos do mar e cuidam do trabalho doméstico.
Embora aparentemente unido, esse povoado é tomado por um clima de desconfiança, que atinge o ápice quando a jovem Sarah (Aisling Franciosi) acusa Brian de estuprá-la. Mas como, exatamente, o amor de uma mãe se encaixa nessa situação? Tomada pela recusa de acreditar que seu filho seja capaz de algo tão horrível, Aileen vai contra seu próprio senso de certo e errado para protegê-lo. Simultaneamente, os homens do vilarejo blindam-se mutuamente, restando a Sarah o isolamento social e o ostracismo na cidade.
Com uma atuação contundente e brilhante de Emily Watson, Criaturas do Senhor apresenta uma trama melancólica e tensa do começo ao fim. Já Paul Mescal imprime, de forma bastante hábil, o que parece impossível: humanidade em um personagem que se revela abominável. Ambas performances trazem algum frescor a um roteiro que, apesar de tencionar a todo momento, segue uma marcha lenta e pesada, deixando uma sensação de inércia a quem assiste.
Criaturas do Senhor é, assim, um drama psicológico que merece estar no radar e ser prestigiado, com destaque para as interpretações de Emily Watson, Paul Mescal e Aisling Franciosi. Contudo, o suspense e a tensão constantes podem tornar a experiência letárgica, somando-se a um final um tanto insatisfatório.
Leia mais críticas de cinema
- “As Polacas”: melodrama de João Jardim nasce datado e desperdiça eficiência do elenco
- “Queer”: Quando desejo e drogas alucinógenas se dão os braços
- “Clube das Mulheres de Negócios”: boas ideias esbarram em narrativa acidentada
- “Wicked”: adaptação do musical da Broadway é tímida, mas deve agradar fãs de Ariana Grande