Cinco da manhã e essa égua infeliz relinchando na minha porta. Ela não poderia ser doce, meiga, fofa, tenaz e obediente como o animal de Tchecov? Mas não, comigo não. Essa filha de uma égua…relincha, bate nos cascos, amassa meu juízo e só sossega quando eu solto os arreios e ela sai feito louca de rabo empinado, balançando a crista. Parece que está rindo de mim.
Me faz de otária. Só pode. Ela não poderia conversar comigo bem faceira, escutar minhas angústias, fazer trote apressado e depois vir comer na minha mão? Mas não…Essa é égua pauleira, ela é cheia de figuras de linguagem. Dizem que seus verbos estão na terceira pessoa, mas ela tem dignidade demais.
Deveria ser mais cabeça baixa, ela só focaliza nas suas próprias necessidades e esquece que, antes de ser dona, era bicho também. Compro feno, capim, ração, vacina, sela da boa, couro curtido para não arranhar seu corpo de varoa digníssima. Eu, a proprietária, recebo tapa na cara dessa égua. Ela chega pra mim com um brilho no olhar de animal emancipado, pervertendo toda a lógica do capital. E não tem Karl Marx que resolva. Não tem Stalin que dê jeito, nem Gorbachov que liberte.
Ontem mesmo, a égua estava focalizando o cavalo do cocheiro. A bicha é virada. Tanto fez que foi lá, pintou e bordou, na hora h, pimba…Era castrado. Voltou decepcionada. Pela primeira vez eu a vi de crista baixa.