QUANDO O TOSCO É O MAIOR DOS APUROS ESTÉTICOS
Filme de Edward D. Wood se apresenta como uma sucessão de equívocos tão grotescos que chegam a beirar o brilhantismo e se formatar enquanto um verdadeiro tratado sobre se travestir
Por Fernando de Albuquerque
GLEN OU GLENDA?
Edward D. Wood
[Glen Or Glenda?, EUA, 1953]
Não é segredo para ninguém que Glen ou Glenda? é o filme símbolo do homem que ficou conhecido na história do cinema como “o pior cineasta que o mundo já viu”. E o emblema é para lá de bem posto já que o modismo de trash circunda toda obra de Edward D. Wood. Nesse filme ele faz o papel principal: o de um homem que se veste como mulher, embora “não seja homosexual”. E aqui permita-me abrir o parêntese para afirmar que o filme é fartamente autobiográfico e estampa, com boa dose de coragem, discutir em uma grande sala o travestismo e mesmo forma como cada artista coloca sua própria persona na obra.
A boa-venturança do eixo-temático e mesmo as discussões que podem suscitar, Glen ou Glenda? acaba completamente caíndo por terra pela narrativa excessivamente primária e sem nenhum mistério ou recurso que venha prender o telespectador. O roteiro base, por exemplo, gira em torno do suicídio de um travesti. Após esse acontecimento, o chefe de polícia responsável pelo caso procura um psicólogo para tentar entender o que leva um homem a se vestir de mulher. Este conta ao policial a estória de um homem chamado Glen, que, mesmo heterossexual, tinha como hábito se vestir de modo feminino. E assim tornar-se Glenda.
Glen ou Glenda? parece ser vários filmes ruins dentro de um só. Em certos momentos lembra um sombrio programa noturno de terror, cujo apresentador é uma mistura caricata e sórdida de Drácula. Em outros momentos a narrativa toma ares documentarescos com imagens de aviões no céu, uma manada de búfalos correndo, fábricas funcionando. Mas na maior parte do tempo o que se apresenta é uma compilação de imagens e diálogos que pouco contribuem para o seu desenvolvimento. Apenas tornam o conjunto mais confuso e ruim, com seus péssimos atores, fusões para lá de desnecessárias e cenários tremendamente falsos e precários.
Nesse esquife então, temos um autor cuja obra reflete, amplamente, seus próprios fantasmas. E o univer freak criado com esse seu primeiro longa (Glen ou Glenda?) nada mais é do que o próprio retrato de suas obsessões e de seu meio. Ou seja: desde o princípio do filme temos um diretor às voltas com condições adversas e incríveis obstáculos para conseguir dinheiro e terminar um filme. A tão sonhada independência, neste processo, vai para o espaço. Seus filmes serão o resultado da mais precária equação entre projeto e realização, entre a tentativa de exprimir algo de pessoal e os compromissos comerciais.
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