Fotos Jonatan Oliveira
A segunda noite do Rec-Beat 2018 mostrou que o cenário da música pop brasileira vai muito bem obrigado e que os estados do Norte e Nordeste são hoje fontes promissoras dessa renovação. O trio pernambucano Arrete formado pelas MCs Ya Juste, Nina Rodrigges e Weedja Lins, o paraense Lucas Estrela, o rapper Don L, do Ceará, e a baiana Larissa Luz injetaram muita energia sonora para a animadíssima plateia que estava no Cais da Alfândega, no Recife.
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Larissa Luz e Don L foram exemplos emocionantes dessa disposição de artistas jovens que estão chegando aos palcos conscientes do seu papel de caixa de ressonância de nossa vida contemporânea. Por meio de músicas com letras fortes e sonoridades muito autorais, eles fazem as pessoas dançarem e ao mesmo tempo refletirem sobre questões essenciais hoje como o racismo e o empoderamento feminino negro.
O show Território Conquistado de Larissa Luz mostrou a potência dessa cantora e atriz de Salvador que funde trap, dubstap, rap, rock, samba reggae e ijexá com influências dos movimentos Afrofuturismo e Afropunk. O álbum de mesmo nome homenageia criadoras negras, dentre elas as cantora Nina Simone e Elza Soares e a escritora Carolina de Jesus a quem ela dedica a música “Letras Negras”.
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Larissa tem o dom de aproximar-se da plateia e é muito bacana vermos a ex-vocalista do Araketu assumindo uma estética musical e uma atitude que não nega suas raízes, mas as expandem. O público interagiu com Larissa de forma intensa, cantando suas músicas e elevando a temperatura quando ela interpretou “Bonecas Negras”, crítica à falta de diversidade no comércio e na publicidade brasileira. A plateia vibrou também com “Meu Sexo”, onde ela prega a liberdade e a autonomia do corpo feminino e, sobretudo, quando ela cantou “A Carne”, música de Seu Jorge, Marcelo Yuka e Wilson Cappellette. O refrão “a carne mais barata do mercado era a carne preta, agora não é mais”, famosa na voz de Elza Soares, foi um dos momentos mais incríveis de um show impecável.
O cearense Don L foi também uma das atrações mais esperadas do Rec-Beat, onde ele aproveitou para lançar o seu segundo álbum solo: Roteiro para Ainouz vol.3. Sua apresentação mostrou porque ele é considerado um dos nomes mais importantes do rap nacional. Sua letras virulentas de rimas ácidas sobre a cultura brasileira não poupa nem mesmo o universo da música. Don L revela inquietação, inconformismo e de certa forma as músicas por ele compostas refletem o momento sociopolítico do país, algo que foi captado pelo público presente e aproveitado pelo artista para dar garra ao seu show.
Mesma garra encontrada na apresentação das Arrete, que tem se mostrado um grupo cada vez mais maduro e seguro nos palcos, pronto para dar voos mais ousados. As meninas refinaram seu estilo – que tem influencia do ragga, música nordestina e pop – mas não perderam de vista as questões pelas quais elas se tornaram destaque na cena do rap local ao fazerem músicas sobre a resistência ao cotidiano de violência e desigualdades sociais. Elas abriram os shows da noite de domingo com o resultado do primeiro álbum, Sempre com a Frota, acompanhadas pelo DJ Rimas.INC.
Outro show que balançou o público do Rec-beat, ontem, foi o do paraense Lucas Estrela. Ele vem se destacando no movimento de renovação da música produzida no Pará, combinando guitarrada, carimbó e lambada, ritmos tradicionais do seu estado com elementos de pop eletrônico e post-rock. O resultado dessa mistura é instigante e segundo o próprio Estrela, ele se considera apenas um continuador de um gênero musical cuja diversidade de elementos o faz estar sempre se renovando por si só. As músicas executadas foram do álbum Farol, lançado no ano passado e, no palco, vimos que a guitarrada e o post-rock se entendem muito bem pelas mãos de Estrela.
Entre os convidados internacionais, o Rec-beat trouxe no domingo a Dj FlavYa, de origem alemã, mas que atualmente vive entre os Estados Unidos e São Paulo. Seu som marcado por grooves de música brasileira e latina animou o pessoal que chegou cedo ao Cais. E antes das pancadas de Don L e Larissa Luz, o público teve a oportunidade de conhecer o espanhol Javier Diez-Ena.
De início o show Theremonial deixou todo mundo meio desconfiado quando viu Javier sozinho no palco, como um mágico, manipulando um aparelho esquisito. Aos poucos, porém, as cismas foram se desfazendo e todo mundo curtiu o som viajado das músicas executadas com um teremim, instrumento russo da década de 1920. Javier reinventou as possibilidades de sua execução e realiza com ele uma espécie de sinfonia eletrônica, pois as músicas são totalmente construídas nele. Para quem estava com a mente calibrada, a viagem foi bem legal.