Nem a chuva atrapalhou o altíssimo astral da última noite do Rec-Beat 2018
Fotos: Jonatan Oliveira
A boa vibe de um festival é fruto das boas escolhas dos artistas que compõem a sua programação. O Rec-Beat em sua vigésima terceira edição manteve o altíssimo astral de edições passadas e não decepcionou quem foi ao Cais da Alfândega ver seus músicos preferidos ou descobrir novas sonoridades. E a noite de encerramento, com sua mescla de novos nomes e estrelas consagradas, agradou a gregos e troianos. Nem mesmo o aguaceiro que vez por outra desabou do céu arrefeceu o ânimo de quem foi ver os DJs ingleses do Worm Disco Club, o pernambucano Romero Ferro, as garotas paulistas da Rimas & Melodias, o francês Bernard Fèvre, o irreverente Otto e o Tremendão Erasmo Carlos.
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Sem dúvida, as apresentações mais esperadas e mais quentes da noite da terça-feira foram as de Otto e Erasmo. De volta ao Rec-Beat, algo que ele fez questão de frisar e agradecer durante seu show, Otto apresentou as músicas do seu álbum mais recente Ottomatopeia e incendiou a galera presente. A mistura de ritmos e influências do seu trabalho que mescla rock com sons ancestrais africanos, e ainda flerta com músicas românticas de Odair José e Reginaldo Rossi, mostrou um artista que está sempre pronto para a luta – ele entrou no palco trajando uma indumentária idêntica as usadas por lutadores de boxe. E vimos mais uma vez um Otto inquieto e visceral. Sua música tanto se rende a floreios sonoros como, de repente, torna-se crua e direta, e é esse jogo, essa disposição para desnudar seus sentimentos em público que o faz um dos nomes mais criativos da música brasileira atual. E apesar do seu pai ter falecido no dia anterior, Otto não abandonou os fãs e fez um show emocionante. E quando a chuva caiu durante sua apresentação ninguém arredou o pé e o Otto performático e irreverente entregou-se também a chuva e ficou só de cueca no palco, lavando o corpo e a alma.
E garra e coração em festa foi também a impressão deixada pela apresentação de Erasmo Carlos. Com 54 anos de carreira e um dos nomes de destaque do rock brasileiro, o ex-Tremendão mostrou porque até hoje é um músico importante no cenário nacional. Ele interpretou canções de diversas fases de sua trajetória, que passou pelo período ingênuo da Jovem Guarda ao lado de Roberto Carlos e Wanderléa, mas que ganhou contornos mais cult no decorrer dos anos. Antes do show começar um vídeo, no telão, mostra um nerd tirando onda com Erasmo, chamando-o de dinossauro, até que a figura de um gigante aparece e acaba com o papo do rapaz. O Gigante Gentil, como Erasmo se autodenomina, então entrou no palco e pudemos constatar que Erasmo pode ser até antigo, mas ainda tem muito rock nas veias. O público acompanhou com carinho a apresentação e cantou e dançou com Erasmo, sobretudo seus sucessos. No final o público pediu mais e Erasmo apresentou uma canção nova e mais sucessos como “Eu Sou Terrível”, “Festa de Arromba” e “Pode Vir Quente que Estou Fervendo”. A moçada e senhoras, que certamente viveram no tempo da Jovem Guarda e foram ao Cais ver seu ídolo da juventude, foram ao delírio.
Outro antigo que ainda dá muito caldo e fez bonito na noite da terça do Rec-Beat foi o francês Bernard Fèvre e seu Black Devil Disco Club (live). Fèvre, na década de 1970, estava sintonizado com a música eletrônica de bandas como Kraftwerk e iniciou seus experimentos com sintetizadores. Ele foi pioneiro ao desenvolver uma versão eletrônica e cósmica da disco music e o seu álbum Black Devil Disco Club, de 1978, abriu caminho para a música dançante francesa. Fèvre é um cara tranquilo e diz não ter ilusões com o showbiz, pois faz música por prazer. A apresentação deu uma ideia do seu trabalho que recentemente foi redescoberto e que tem ainda outros álbuns incríveis. Deu para ver que Fèvre é um artista criativo e seu som mexeu com o público que dançou pra valer ao ritmo de sua batida eletrônica.
Mas a moçada novinha que se apresentou no início da noite também foi muito bacana. Os rapazes ingleses do Worm Disco Club abriram a noite com uma discotecagem maneira recheada de afrofunk e músicas latinas. Jackson e Jake integram um coletivo de músicos da cidade de Bristol, mas têm uma forte relação com o Recife. Eles há sete anos participam do maracatu Almirante do Forte e essa parceira fez com que eles levassem o ritmo para a Inglaterra, criando em sua cidade um grupo de percussionistas inspirado no folguedo pernambucano.
O primeiro show pra valer foi com o cantor e compositor Romero Ferro. Ele levou ao palco do Rec-Beat o seu projeto Frevália, que tem como proposta uma releitura contemporânea do frevo. Ferro apresentou um repertório variado com frevos clássicos e músicas de novos compositores. Embora a noitada ainda estivesse começando, muita gente já estava no Cais e interagiu com o artista e seus convidados. O show teve participações de Monique Kessous, Natália Matos e Michelle Melo e um Ferro alegre e maduro confirmando seu crescimento nos palcos. Um ponto positivo do show foi a presença no palco de um intérprete de libras. Pela sua animação e disposição na interpretação dos frevos, o rapaz prova que música é muito mais que ruídos.
E a boa surpresa da noite foram as meninas do grupo paulista Rimas & Melodias. A DJ Mayra Maldijan e as rappers Tássia Reis, Tatiana Bispo, Drik Barbos, Karol Souza, Stefanie e Alt Niss são artistas incríveis do hip hop e mandaram seu recado inspirado nas cyphers, quando MCs e rappers improvisam passos e alternam rimas a partir de uma música gravada. Com uma produção audiovisual bem cuidada e músicas bem mixadas, elas trouxeram de volta ao palco do Rec-Beat um tema que perpassou todas as noites do festival, a visibilidade das mulheres e da cultura negra. No público, muitas meninas acompanhavam as letras e deu para ver como elas estavam emocionadas em compartilhar com as meninas do palco o som e os sentimentos e juntas cantarem: “Toda garra mulher preta! Toda força mulher preta!. Quando o show acabou, essas mesmas meninas foram lá para trás, na saída do Rec-Beat, para abraçar as integrantes do Rimas & Melodias. Foi muito lindo.