NO AR, UM RECOMEÇO
Todo renovado, Coquetel Molotov privilegiou a experiência e teve bons shows de Karina Buhr, Russian Red e La Femme
O maior de todos os desafios do novo festival No Ar Coquetel Molotov foi cumprido com louvor: deu muito certo a mudança para a Coudelaria Souza Leão, no afastado bairro da Várzea dentro de uma enorme estrutura com muito espaço aberto e áreas verdes. Depois de 10 anos acontecendo dentro de teatros, o No Ar se mostrou à vontade em um palco tradicional de shows, com público livre, de pé. O impacto era enorme para quem chegava dentro do evento.
Mais uma vez, o Coquetel Molotov inicia uma tendência dentro do calendário cultural da cidade. Depois dos show de rock/pop em teatros, agora traz a experiência de um festival onde se vai para aproveitar não só os shows como o dia ao ar livre, a exemplo de festivais como o MECA, no Sul do país. De shows, o No Ar não trouxe nenhuma grande atração como fez em anos anteriores, mas a escalação combinou com a proposta do evento, com novidades da cena independentes e shows conceituais.
O destaque da noite foi o show de Karina Buhr, que apresentou na íntegra o primeiro disco dos Secos e Molhados, de 1974. A cantora fez não só uma das melhores apresentações da noite, como de sua carreira inteira. Como de costume, contou com nomes de peso em sua banda de apoio, a exemplo de Guizado e Fernando Catatau, do Cidadão Instigado. O projeto de revisitar discos clássicos lançados há 40 anos rendeu ótimos momentos e deu muito certo com Karina, que assim como Ney Matogrosso da época também tem uma presença muito performática de palco.
Ela encarnou aquele espírito transgressor de Ney, com sensualidade latente e muito drama com eficiência. Como já faz em seus shows, ela soube dominar o palco como poucos artistas no Brasil atualmente, interagindo com a plateia sem precisar ser verborrágica e sem sair da sua persona em nenhum momento. Depois de clássicos como “Sangue Latino”, “O Vira” e “Rosa de Hiroshima”, ela finalizou com músicas de sua carreira, como “Cara Palavra” e “Nassiria e Najaf”.
Outro ótimo momento da noite foi o show da banda francesa La Femme. Eles se apresentaram logo cedo, para um público que ainda chegava à Coudelaria. O pop psicodélico do grupo é baseado no bom humor, com dancinhas desengonçadas, muita interação com a plateia e sons em sua maioria agitados. Eles contaram com uma formação bem inusitada, com três tecladistas, dois bateristas e um guitarrista. No palco tocaram faixas do seu primeiro álbum, Psycho Tropical Berlin, lançado no ano passado. Uma das maiores novidades do pop francês nos últimos anos eles representam o bom momento da cena europeia. O som é cheio de referências tanto estéticas quanto literárias, mas são passíveis de serem curtidos pela pura e simples jogação nas batidas. O vocalista até apoiou Dilma Rousseff nas eleições deste ano – colando um adesivo no zíper da calça!
Veja fotos desta edição.
Nas atrações internacionais, destaque ainda para a espanhola Russian Red. Com uma plateia engajada, a simpática vocalista Lourdes Hernández chegou ao Brasil como uma revelação da cena pop espanhola. Seu novo disco foi lançado este ano, Agent Cooper, e várias faixas deste trabalho foram tocados no No Ar. Mas tinha gente da plateia com pedidos de faixas, o que mostra que a produção acertou na escalação, dada a quantidade de fãs que marcaram presença. Ao final, a entrada da área VIP ficou apinhada com um grupo de fãs que foram atrás de autógrafos e fotos. No palco, Lourdes mostra grande alcance vocal com um poderoso corpo de guitarras, fazendo um casamento interessante. Lembra um pouco PJ Harvey no início de carreira, mas com um apelo sexy maior.
Falando em presença de fãs, a noite ainda confirmou o sucesso atual de Phill Veras. O maranhense foi revelado online através de discos disponibilizados em seu canal no Soundcloud. Ao realizar uma enquete sobre possíveis atrações para este ano, Veras foi um dos mais solicitados. O show teve a histeria juvenil já presenciada em outras edições, a exemplo de Clarice Falcão e Mallu Magalhães. O show do cantor, que se vale muito pelo carisma, teve bons momentos. É uma proposta ainda muito ligada à MPB romântica e ingênua pós-Los Hermanos, com elementos folk, mas tem seu apelo.
Outra novidade pop foi Flora Matos, representante do hip hop este ano. Ela chegou desconhecida por parte da plateia e conquistou a atenção às primeiras batidas. Contou apenas com o básico do gênero – DJ e MC – e fez bonito. Destaque para seu hit “Preto no Branco”. A noite ainda teve Aldo The Band, com uma apresentação catártica. Eles são o nome a ser batido no hype de 2014 e chegaram como headline ao festival. Se apresentaram também a Jaloo, novidade da prolífica cena independente no Pará.
Já a paulista Inky trouxe o seu rock pesado e eletrônico para o festival, uma característica muito forte do No Ar, que sempre abre espaço para nomes que experimentam no peso. A banda contou com a participação do pernambucano Grassmass, em um combo de batidas e guitarras muito interessante.
Grande espaço para DJs
Uma das melhores novidades deste ano do Coquetel Molotov foi o espaço privilegiado dado aos DJs. FaltyDL, por exemplo, figurou merecidamente como um dos headlines da edição. No entanto, a estrutura pensada para eles, no lado de fora de onde aconteceram os shows principais, não reuniu muita gente. A chuva que caiu em grande parte da noite, também atrapalhou um pouco.
Eles ficaram localizados em um espaço aberto muito amplo. Mas parte da plateia que ficou na área coberta perto dos bares e lanchonetes pôde curtir o som, que teve ainda nomes como Bok Bok (Reino Unido), Jonas Rocha (RJ) e Seixlack, de São Paulo.
No geral, a nova estrutura do No Ar privilegiou a experiência, com atividades simultâneas. Produtores culturais deverão abrir o olho de agora em diante para um espaço tão bom quanto esse praticamente desconhecido do público recifense. O novo ciclo do Coquetel Molotov começou bem.