Atenção leitor, as próximas linhas falarão de um sentimento cabível a todos, mas que nem todo mundo se relaciona bem com ele, o amor. Aquele danado, declamado pelos apaixonados, declarado nas sofrências musicais e que “suspende a saia das mulheres e que tira os óculos dos homens”, como já bem dizia Carlos Drummond de Andrade. Foi esse mesmo amor que inspirou o musical Dorinha, Meu Amor, dirigido por João Falcão, apresentado na noite desta terça e quarta-feira, com casa cheia, dentro da programação do Janeiro de Grandes Espetáculos.
Leia Mais: Janeiro 2018
Paulo de Tarso: o Janeiro é um festival de resistência
Festival traz mais de 100 apresentações
No palco o amor se fez presente em todo o desenrolar da história, em aproximadamente setenta minutos de peça. A figura de Dorinha, interpretada pela designer, atriz e cantora Isadora Melo, por exemplo, é amor da cabeça aos pés. Ingênua, autêntica, engraçada e ousada, ela narra as vivências do coração seguido por canções que marcaram gerações. Afinada, ela chega a passear pelos agudos e graves sem perder as estribeiras.
As canções interpretadas por Dorinha conseguem refletir nas histórias de amor mal resolvidos vividos por ela. Nos primeiros minutos do espetáculo a personagem já conta a história do seu primeiro encontro amoroso. Aquela paixão adolescente avassaladora, insaciável e cheia de impulsos. Dizem que a canção consegue traduzir bem o sentimento do coração. No musical essa tradução ficou clara. Para narrar os fatos, Dorinha prefere enveredar pela música, cantarolando a vontade de passar na tua porta/ vontade de bater no teu portão/ vontade de pedir um copo d’água/ e assim poder tocar na tua mão. Dessas vontades que o cantador Santanna conhece bem.
Além de Santanna, a trilha sonora passeia por cantores renomados, como Maria Bethânia, Angela Maria, Alceu Valença, o arrasta-pé do Trio Nordestino, o pagode de Jorge Aragão e o “swing” de Joelma, ex-cantora da banda Calypso. Uma oportunidade para os apreciadores da música brasileira reviverem grandes clássicos em uma sequência de hits e de Isadora Melo mostrar a sua versatilidade no palco e com a voz, passeando por vários gêneros musicais.
A participação do cantor caruaruense Almério no espetáculo foi bem recebida pelo público. Ele encenou com Dorinha aquela verdadeira dor de cotovelo, ao mesmo tempo, que refletia o que a música dizia com gestos bem ensaiados e uma naturalidade de quem tira os sapatos para se sentir em casa. Outras duas participações especiais foram de Juliano Holanda (guitarra) e Rafael Marques (bandolim), que acompanharam Isadora Melo em todo o espetáculo.
Outra combinação bastante bem-sucedida da peça é da música com o humor. Durante as canções Isadora Melo consegue dar o tom e graça ao que estava sendo cantado. Ela demonstra segurança, presença de palco e show de simpatia. Também bem humorada, ela dá leveza à peça até nas situações mais trágicas do amor. O público, por sua vez, reage às suas “palhaçadas” com aplausos e gargalhadas. As trocas de roupas da personagem ajudam a contar o amadurecimento dela e a manter o público focado naquela jovem apaixonada. O cenário abre mão de recursos cênicos e o que ser vê são apenas os músicos e Dorinha na maioria das cenas.
Já no fim do espetáculo, após tantos amores e tantos baques, encontros e desencontros, entre uma cena e outra, ela volta uma mulher diferente. Ainda que não que seja outra pessoa, assume uma postura rígida, um olhar mais cerrado. O que se vê é uma Dorinha cansada de amar tanto o outro, que num belo dia, resolve olhar-se no espelho. Ao se ver percebe que poderia amar quem fosse, mas antes morreria de amor primeiramente por ela, para que assim, fosse feliz para sempre.