Sabe quando a gente ganha um quebra cabeça desmontado e, de imediato, a impressão que temos é de que as peças não fazem sentido? No entanto, ao começar a encaixá-las vai percebendo o desenho se formando e a importância de cada detalhe para o conjunto da obra? Pois bem, o espetáculo Espera o outono, Alice, do AMARÉ Grupo de Teatro é um desses casos. Um jogo de quebra-cabeça – isso porque, as situações não são lineares – muito bem montado e dirigido que, aos poucos, no desenrolar das cenas vai contando a história de muitas pessoas em uma personagem só. Entretanto, não se trata apenas da história de vida de Alice, nem somente de encontros e despedidas, mas sobre o suicídio, um ato que acomete, cada vez mais cedo, pessoas do mundo inteiro.
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O outono se caracteriza como uma estação do ano em que as folhas caem, as cores mudam e tudo em volta parece ganhar um tom mais melancólico, ao mesmo tempo em que o vento se encarrega de levar as folhas mortas que secaram no chão. No espetáculo, este clima é visto logo nos primeiros minutos no contato do público com o palco do Teatro Hermilo Borba Filho, no qual, os quatro atores (Isabelle Barros, Micheli Arantes, Natali Assunção e Gustavo Soares) já se encontram em cena. Inicialmente, é possível ver uma luz mais baixa, com poucos elementos cênicos que serão utilizados durante a trama: baú, cadeiras e cabideiro.
Diferentemente de outras peças, o grupo faz uso de recurso tecnológico, data show, para ajudar a amarrar as histórias contadas pelos personagens por meio de fragmentos de textos de autores como Carl Sagan, Marla de Queiroz e Pedro Bomba. Além da introdução cênica à la produção cinematográfica, o que chama atenção do espetáculo é a carga dramática e a atuação impecável dos atores que, em alguns momentos, declamam um monólogo, ora atuam em dupla, ora se juntam para contar de forma delicada e sensível a história de Alice, em aproximadamente uma hora de encenação.
Mas quem seria Alice? Na peça, uma jovem de classe média que, após viver inúmeras experiências durante a vida, ainda nova, decide pôr um fim em sua vida. Momentos como o fim de um relacionamento, encontros amorosos, a viagem a Londres, o pulo de paraquedas, o seu aniversário, conversas na mesa do bar, até o jeito sonhador e engraçado que ela lida com as situações vistas em cena, ajudam a criar empatia pela personagem e a chamar a atenção do público para as várias Alices que podemos encontrar no dia-dia e estão passando pelo mesmo sentimento da personagem.
Entre uma situação e outra, é possível perceber que a história de Alice pode ser contada por qualquer um dos atores que estão no palco. Confuso? Poderia até soar, se não fosse o cachecol laranja que os atores utilizam ao incorporar as dores e delícias da vida da jovem – elemento que ajuda a situar a plateia para o artista que está sendo a Alice da vez. A iluminação de Natalie Revorêdo cumpre também um importante papel para criar efeitos significativos entre as cenas e o trabalho de pesquisa sonora tornou a peça mais leve, apesar do tema ser pesado.
Com direção de Quiercles Santana e Analice Croccia, Espera o outono, Alice estreou com casa cheia, no domingo (28), dentro da grade do Janeiro de Grandes Espetáculos, nos dois horários de apresentação. Talvez seja reflexo da qualidade do grupo pernambucano que já havia encenado em 2016 o espetáculo Amar é crime, adaptação do livro homônimo de Marcelino Freire, ou quem sabe tenha sido a esperteza e delicadeza de trazer um tema tão sensível e necessário ser discutido, seja em uma roda de debate, seja por meio da arte. Uma coisa é certa, ao juntar o quebra cabeça, o público pôde encontrar uma trama densa, intensa e bem feita, que embora tudo tenha sido montado em apenas quatro meses, não deixou faltar em nada, e, além disso, trouxe uma reflexão sobre a importância de a vida ser bem vivida e valorizada.
Para quem perdeu o espetáculo ou deseja assistir novamente, os atores adiantaram que Espera o outono, Alice volta a ser encenado no Teatro Marco Camarotti, no Recife, nos dias 09 e 10, 16 e 17 de março.