Festival celebra os 20 anos do Manguebeat no coração de São Paulo
Evento teve Mundo Livre S/A, Mombojó, Isca de Polícia, Ellen Oléria e Curumin
Por Karen Lemos
De São Paulo
Há quem diga que nada fez – literalmente – tanto barulho nos últimos 20 anos na música brasileira do que o Manguebeat, movimento cultural surgido no Recife na década de 1990. Celebrar, então, as duas décadas do surgimento do gênero é uma responsabilidade e tanto que foi assumida pelo Festival Caranguejando, uma parceria do CCBB de São Paulo com a Baluarte Cultura.
Em um palco erguido em plena Praça do Patriarca, no coração do centro da capital paulista, oito artistas se reuniram para comemorar a data entre os dias 11 e 12 de outubro – um final de semana com direito a clima parecido com o do berço do Manguebeat, em que a máxima ficou entre os 30 graus.
No sábado, a banda paulistana Isca de Polícia abriu o evento convidando o carioca Serjão Loroza para o palco e, em seguida, um dos percussores do movimento, a Mundo Livre S/A, dividiu o espaço com Pedro Luís. Já no domingo foi a vez da banda Paraphernália começar o dia com a brasiliense Ellen Oléria como convidada; na sequência, os recifenses do Mombojó fizeram sua homenagem na companhia do cantor Curumin.
Curadora do evento, Monica Ramalho explicou a diversificada seleção de artistas. “Queríamos uma banda seminal do Manguebeat, outra que demonstrasse que esse gênero continua vivo e ainda achamos interessante mostrar que o movimento também circula pelo país, pegando artistas do eixo Rio/São Paulo, sempre com convidados interessantes para fazer um tributo que não fosse óbvio”, ressaltou em conversa com a Revista O Grito!.
Primeiro dia: a autoestima de olhar o próprio umbigo
Além de se apresentar no festival com a banda Isca de Polícia – que acompanhou a carreira de Itamar Assumpção (1949 – 2003) – Paulo Lepetit também assinou a direção musical do evento e, durante esse processo, ficou surpreso com as semelhanças de sonoridade e crítica social de Pernambuco com a vanguarda paulista. “Para o repertório, procurei músicas ‘irmãzinhas’, que se encaixavam pelo assunto ou pelo groove”, ressaltou Paulo, que recebeu Serjão Loroza, do Monobloco, no palco. “O Manguebeat mostrou autoestima ao olhar para o próprio umbigo e mostrar que o Brasil também é universal”, elogiou o cantor.
O show começou om um ‘mashup’ de “Não Há Saídas”, da Isca de Polícia, com “A Cidade”, da Nação Zumbi, provando que o discurso entre as duas bandas ultrapassa fronteiras. Músicas pré-Manguebeat, como “Papagaio do Futuro”, de Alceu Valença, e “Vendedor de Caranguejo”, de Gordurinha (1922 – 1969), também tiveram vez no roteiro.
Foi justamente com a canção “Manguebit”, que abre o primeiro disco Samba Esquema Noise, que Fred 04 e a Mundo Livre S/A deram início ao tributo a uma história em que eles próprios ajudaram a escrever. “Passa um filme na minha cabeça”, definiu Fred, em conversa com O Grito!. “Eu cresci em uma geração que tinha várias ideias bacanas, mas que precisava se mandar, porque o Recife e o Nordeste viviam uma situação econômica e cultural de estagnação”, recordou. “Hoje, vivemos uma situação oposta; as novas bandas de Recife têm uma responsabilidade grande, porque o grau de interesse agora é maior”.
Após apresentarem outros trabalhos do grupo, como “Pastilhas Coloridas”, “O Mistério do Samba” e “Meu Esquema”, a Mundo Livre S/A ainda convidou Pedro Luís e presenteou o músico com uma nova roupagem para seu sucesso “Caio no Swing”. “Gostei muito da versão batizada de Manguebeat para essa música. Só vou tocar essa daqui pra frente”, brincou Pedro. “Esse gênero é de uma linguagem que tem muita personalidade. Fico honrado de ter sido chamado para fazer parte de um evento que celebra algo tão importante para a música”, concluiu o músico, que ainda teve o privilégio de dividir os vocais com Fred na música “Samba Makossa”, de Chico Science (1966 – 1997).
Segundo dia: mangue de formação
Por ser tratar de uma banda instrumental, os músicos da Paraphernalia se preocuparam, principalmente, em pincelar canções do gênero que fossem melhor executadas na formação instrumental. “O forte do Manguebeat é o ritmo, a levada; e foi dessa forma que mostramos nossa versão e como enxergamos o movimento”, declarou Donatinho, tecladista do conjunto. Nada melhor do que abrir a apresentação com “Quilombo Groove”, uma das faixas do segundo disco de trabalho da Nação Zumbi e que explora muito bem o instrumental.
Com Ellen Oléria, o Paraphernalia trouxe voz para músicas representativas do Manguebeat, como “Mormaço” e “Blunt of Joah”, da Nação Zumbi, e “Cuba” e “Bob”, de Otto. “Sou muito influenciada pelo movimento. Em meu último disco gravei ‘Anunciação’, do Alceu Valença, já estava bebendo nessa fonte”, pontuou Ellen.
O último show do evento contou com uma banda representativa do gênero e um artista contemporâneo que recebeu influências da época em que o Manguebeat começava a ganhar seu espaço no mercado fonográfico. “Tenho 38 anos, portanto eu cresci sob essa atmosfera [de expansão do movimento]. Lembro que eu saia para curtir e o som do Manguebeat era sempre muito presente; fez parte da minha formação cultural”, explicou Curumim em entrevista a reportagem.
No palco, o paulistano e os músicos do Mombojó abriram o leque para vários artistas do movimento. Teve um pouco de tudo: “Computadores Fazem Arte”, da Nação Zumbi, “Dias de Janeiro” e “Ciranda de Maluco”, de Otto, “Coqueiros”, da banda Eddie, e “Punk Rock Hardcore”, do Devotos, além de “Casa Caiada”, “Pro Sol” e “Deixe-se Acreditar” do próprio Mombojó. “É uma honra poder tocar todas essas músicas sendo um nome que também representa esse movimento”, afirmou Marcelo Machado, guitarrista da banda. “Foi um show de fãs para seus representantes”, concluiu.
Extra: pedimos aos artistas que participaram do evento para citarem um disco representativo do manguebeat.