Desfiles da Babado Coletivo, Aládio Marques e Jangadeiro Têxtil buscaram referências bem atuais como inspiração
Da Revista O Grito!, em Fortaleza
O exército estava nas ruas de Brasília atacando manifestantes que pediam a saída do presidente Temer quando começou o primeiro desfile da Sala do Barro, no Dragão Fashion Brasil Festival, em Fortaleza. Ao final da apresentação da Jangadeiro Têxtil Trendshow, por Lindebergue Fernandes e Yuri Costa os modelos entraram segurando balões pretos. Um pouco depois o Babado Coletivo trouxe o feminismo para a passarela ao som de “Mulher da Vila Matilde”, de Elza Soares e “100% Feminista”, de MC Carol e Karol Koncá. E tivemos a coleção de Aládio inspirada nos nômades.
Ainda que não falem diretamente sobre o factual, a conjuntura dos fatos que aconteciam lá na capital do País ou nos movimentos migratórios pelo mundo, a moda autoral em Fortaleza deixava claro que tem o interesse em se comunicar.
O festival sempre foi conhecido pelo seu interesse em marcar posições, firmar uma identidade própria e buscar uma voz que o tornou um dos mais importantes eventos de moda da América Latina. Nesta edição de 18 anos há diversas referências que surgem para reforçar uma autenticidade local, a começar pelo casting de modelos 100% nordestino.
O desfile da Jangadeiro Têxtil teve um tom celebratório, com trilha sonora setentista, apresentando novas texturas e estampas e modelagem que oscilava entre o clássico e o desconstruído. Ao final vimos as bolas pretas com as modelos, que, aparentemente pode não significar nada, mas conhecendo a assinatura autoral de Lindebergue Fernandes, podemos apostar em uma mensagem de indignação/luto. No último DFB ele falou diretamente sobre a crise política brasileira com um desfile catártico sobre esperança e luta. Em 2015 ele trouxe drag queens e travestis para a passarela.
Mas foi o Babado Coletivo que fez o desfile mais comentado. Falando claramente sobre feminismo interseccional, que dialoga com movimentos negros, trans, LGBT e outros, os looks traziam provocações sobre questões como o corpo e gênero. O coletivo é uma reunião de 14 marcas cearenses que desta vez decidiram se reunir em torno de um mesma tema, pensando uma narrativa que vai desde o editorial, passando pela trilha sonora, passarela e na escola das cores e modelagens dos looks.
O coletivo trouxe peças sem distinção de gênero, com lingeries masculinas, corsets e maiôs. Também trouxe duas modelos com braços unidos, reforçando a importância da união.
O baiano Aládio Marques trouxe o minimalismo para o seu desfile. Inspirado no nomadismo, as peças tiveram como mote o espírito livre o explorador com muito uso de cordas – inclusive nos sapatos – estampas e uma mistura de alfaiataria com peças esportivas. O uso de cordas e amarrações foi pensado na mobilidade de quem está sendo em trânsito.
Sem se apegar ao óbvio de sua referência, Aládio fez um desfile bem contemporâneo, apostando em um nômade mais cosmpolita. Ver o desfile, com um deserto ao fundo, e uma música com guitarras e sopro, me fez lembrar dos tuaregs do Mali, sem que isso tivesse ficado explícito nos looks. Uma das melhores coleções deste ano, com certeza.
A noite de abertura do DFB trouxe ainda as rendas de Almerinda Maria, sempre um dos pontos altos do festival, com um trabalho ainda mais meticuloso que o do ano passado e o trabalho artesanal de crochê da Villô Ateliê. O potiguar Wagner Kallieno, nome forte do lineup em todas as edições, fez um desfile mais apático em comparação com suas coleções passadas, sem as suas conhecidas modelagens assimétricas. Mas teve belas estampas com muitos florais e cães, colocando uma base preta para trabalhar cores vivas como azul e verde.
Veja mais fotos:
Fotos de Roberta Braga, Cláudio Pedroso e Pedro Brago. Foto de abertura do post por Nicolas Gondim.
* O jornalista viajou a convite da organização do evento.