Por Renata Arruda
Do Rio de Janeiro
O repertório de Sábado não tem apelo suficiente para alcançar uma audiência maior que aquela conquistada a partir de 2011 com o álbum Canções de Apartamento (Independente) e Cícero merece aplausos por sua coragem ao evitar se repetir e tentar algo novo, mas afastando o discurso sóbrio de suas entrevistas pré-lançamento de Sábado (2013; Deck) onde o músico dizia estar ciente de que poderia inclusive perder alguns admiradores ao arriscar um trabalho que fugia da possibilidade de viralizar, Cícero não estava preparado para a recepção real que o álbum teria.
Talvez o sucesso inesperado e a aparição em tantas listas de Melhores do Ano de 2011, repletas de confetes e até exageros como o do Embrulhador ao dizer que “provavelmente os seus netos ouvirão Canções de Apartamento como você, lá atrás, ouviu Transa“, deixaram o músico confiante de que seria recebido com pelo menos alguma condescendência; porém, o que se viu foram críticas particularmente mais assertivas – o que vez ou outra acaba acontecendo com artistas-sensação e seus lançamentos cercados de expectativas que, quando frustradas, acabam influenciando mais a análise que o próprio trabalho em si.
Se relacionando tão intimamente com sua obra a ponto de confundir-se com ela, o artista parece ter levado as críticas para o âmbito pessoal e, sentindo-se atacado por todos os lados, se recolheu. Após o lançamento de Sábado, foram menos entrevistas, menos shows e uma quase ausência de movimentação em suas redes sociais – mesmo o Facebook, onde o artista se fortaleceu, e hoje deleta regularmente seus posts – em comparação à época de Canções. Mas o músico ainda acompanha tudo que se fala dele e um recente episódio durante um show em Goiânia deixou no ar a impressão de que faz isso quase obsessivamente.
https://www.youtube.com/watch?v=kgRUu90pzSo
No vídeo disponível no YouTube, a pedido do próprio cantor, Cícero aparece rasgando o jornal local O Hoje, que trazia uma crítica negativa sobre o seu trabalho. Ainda que a atitude um tanto afetada possa ser encarada como uma brincadeira, o recado do músico era sério: parecia que Cícero estava dizendo a todos e a si mesmo que não estava mais se deixando abater pelo que se diz dele. A maneira mais agressiva que divertida de transmitir o recado deixa no ar tanto a impressão de que as críticas são entendidas como verdadeiros ataques pessoais quanto expõem uma possível fragilidade e insegurança de alguém que busca aprovação.
Mas se de um lado tal aprovação não está partindo da crítica, por outro Cícero mantém um séquito de fãs fieis em que um punhado considerável de jovens deslumbrados massageia diariamente o seu ego através de dezenas de declarações de amor a cada aparição do cantor em suas redes.
Leia mais: Entrevista
Cícero fala sobre o disco Sábado
E é obviamente em seus fãs que Cícero vem se apoiando. Se mantendo acessível e atencioso, o músico valoriza seu público e demonstrou isso também no dia 14 de novembro durante o show de encerramento da turnê de Sábado, que aconteceu no teatro Rival, no Rio de Janeiro. Cantando para uma plateia que não chegou perto de lotar o teatro (para o segundo dia de apresentação, foram oferecidos ingressos a 10 reais para aqueles que compareceram no dia anterior), Cícero repetiu o quanto estava feliz em ver que aquelas pessoas saíram de suas casas em uma sexta-feira chuvosa para vê-lo (em um final de semana onde enfrentou uma concorrência de peso, com Paulinho da Viola tocando no Circo Voador, e com os Arctic Monkeys no Brasil), e estava à vontade tocando para uma plateia animada, que cantava todas as músicas a plenos pulmões – principalmente as do Canções de Apartamento.
Apesar disso, a apresentação foi burocrática, com Cícero emendando uma música após a outra sem muitas pausas e sem nenhuma surpresa, fazendo com que o show de encerramento não tivesse nada de especial em relação aos outros da mesma turnê além das quatro caixas de som extra, que permitiram uma experiência sonora mais rica em detalhes. Mesmo assim, os fãs que aguardavam o cantor desde seu último show na cidade em janeiro deste ano, fizeram uma verdadeira festa e parecem não ter do que reclamar.
Encerrada a turnê, Cícero promete um álbum para o ano que vem. Há um interesse natural em saber qual e como será o próximo passo do cantor, que demonstra ainda não ter aprendido a lidar com críticas, e que pode correr o risco de ficar preso às mesmas antigas canções, que uma hora devem começar a se esgotar. Porque como disse André Midani a respeito da nova geração de músicos brasileiros, “é impecável em todos os sentidos, mas é um coquetel de Chico e Caetano terrível. Quando é que vamos sair deste engodo? Porque passa a ser um engodo hoje em dia, um engodo feliz, maravilhoso. Mas não deixa de ser um engodo”.