LIVRO DOS INTERIORES
Na semana que completa 30 anos de sua morte (9/12/1977), O Grito! relembra a jornalista inusitada que foi Clarice no livro de entrevistas De Corpo Inteiro
Por Paulo Floro
Duas coisas a considerar da Clarice jornalista: seu ímpeto em desdobrar o indivíduo para buscar algo que aplaque (mesmo que por um momento) sua inquietação de existir continua em suas entrevistas. A diferença é que ela troca seus personagens por pessoas reais. Outro ponto, talvez o mais interessante na obra da autora, é que ao tentar desvendar questões de seus convidados e entrevistados, ela própria se revele.
É pergunta recorrente na série de entrevistas que compõem De Corpo Inteiro, último dos livros, da obra completa de Clarice Lispector, reeditados pela Rocco: “O que é o amor?”. De Tom Jobim, escutou: “amar é se dar, se dar, se dar”. Chico Buarque disse “não sei definir” e voltou à pergunta a Clarice, que emendou: “nem eu”. Essa subjetividade é incomum no Jornalismo e não teve outra experiência feliz depois de Clarice. A série de entrevistas com personalidades da cultura e política dos anos 1960 e 1970 foi publicada pela finada revista Manchete. Já uma escritora reconhecida – lançara entre outros “Uma Maça no Escuro” – a autora construía um bate-papo franco com o personagem, não raro também sendo entrevistada. Em alguns casos, discutia até mesmo seu modo de criar, seu processo de feitura dos livros e suas experiências no exterior ao lado do marido embaixador, que lhe serviu de inspiração para alguns de seus livros.
Como escritora, Clarice não era menos repórter. Pelo contrário, era exímia. Seu processo de pesquisa era cuidadoso e sua apuração tão delicada e minuciosa que transmite uma intimidade com o entrevistado, que muitas vezes não existia. Era preocupada em ser distante quando falava com amigos, o que podemos chamar de ética pessoal sua, mas se tratava de uma preocupação com a clareza das informações. Tímida, mas corajosa, como gostava de ressaltar, não tinha receio de se expor ao ser pega nas mesmas perguntas que fazia: “você tem medo?”, “por que escreve?”. Em seu diálogo com o leitor, admitia até mesmo suas mudanças pessoais. Interessante a entrevista com Teresa Souza Campos, uma “figurino”, como chamava à época, tida como fútil por Clarice, mas que se revelou um ser humanos impressionante no final da entrevista. Clarice a descobriu.
Surpreendente, De Corpo Inteiro é um retrato de um jornalismo pouco conhecido, escrito com graça, delicadeza e sentimento. Sem se afastar de seu estilo próprio, o livro é uma obra legítima de Clarice Lispector, com toda sua preocupação com o indivíduo e questões universais. Ótima oportunidade para entrar na alma de nomes como Jorge Amado, Bibi Ferreira, Tarcísio Meira, Ivo Pitanguy e Fernando Sabino, entre outros.
DE CORPO INTEIRO
Clarice Lispector
[Rocco, 210 páginas, R$ 26, 50]