Cine PE 2012: Festival abre porta do armário, mas coloca diversidade sexual na prateleira

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Curtas desta segunda abordaram tema da homossexualidade e respeito às diferenças

Por Alexandre Figueirôa
Editor da Revista O Grito!, no Recife

A mostra competitiva de curtas do CinePE 2012 chegou ao seu penúltimo dia com uma seleção voltada para filmes que trataram de questões da diversidade sexual e da igualdade nas diferenças. Um critério meio estranho para organização da grade de programação, sobretudo para os curtas que abordavam o tema da homossexualidade. Isto mostra que a questão homossexual é vista ainda como algo fora dos padrões, ou seja, estes filmes precisavam de um dia específico para serem apresentados em conjunto numa prateleira temática e não como algo perfeitamente natural capaz de conviver com qualquer outro tema.

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E a caretice não é só de quem pensou o festival, como também estava presente em parte do público que lotava o Teatro Guararapes na noite de ontem. E isto foi visto principalmente na exibição do curta Na Sua Companhia (foto), de Marcelo Caetano. Os comentários equivocados durante a projeção, os risos completamente deslocados e os aplausos tímidos no final revelaram um estado de tensão e incompreensão em relação ao filme, exibido após Garotas da Moda, de Tuca Siqueira, outra obra com personagens homossexuais, no caso drag queens, da cidade de Goiana, no interior de Pernambuco.

O filme de Tuca é um documentário cujo foco é o cotidiano de cinco travestis. Goiana, na Zona da Mata Norte, com suas usinas e canaviais é também conhecida pela grande movimentação gay entre as cidades do interior do estado. Lá acontece uma parada da diversidade e tem artistas como as cinco personagens do filme que se juntaram para formar um grupo intitulado The Fashion Girls. O curta é interessante por dar voz aos seus protagonistas sem cercear a sua liberdade. O espectador é apresentado a este universo com naturalidade e as cinco drags se expressam com franqueza, mesclando uma certa ingenuidade e o humor peculiar de quem está calejado de lutar para afirmar suas identidades sexuais. Tuca conseguiu articular com delicadeza e harmonia as falas dos personagens e as imagens que vão desenhando os seus perfis.

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As drags de Garotas da Moda (Divulgação)

Presentes à exibição, as drags ganharam a simpatia do público e o filme foi muito bem recebido. E aí está o nó da questão. Por que tanto entusiasmo com Garotas da Moda e tanta frieza para Na Sua Companhia? O filme do paulista Marcelo Caetano, diretor de outro curta muito legal intitulado Bailão, é um sensível e contundente exercício de reflexão sobre as relações afetivas nos grandes espaços urbanos, no caso a cidade de São Paulo.

Para Marcelo fica claro como estas cidades com seus traçados desordenados não propiciam o encontro entre as pessoas e isto se torna mais difícil para quem optou por viver sua sexualidade de uma forma diferente dos padrões estabelecidos. E ele nos mostra isto de uma maneira clara e direta. O curta não se define nem como documentário e nem como ficção. Transita entre os dois formatos com serenidade e nem por isso atropela a narrativa. Muito pelo contrário, com extrema habilidade ele extrai de um olhar naturalista um recorte poético e vai costurando uma cadeia de signos para mostrar como a construção dos espaços afetivos se delineia a partir da necessidade de amor inerente a todo ser humano independentemente das suas escolhas sexuais.

E é talvez nesta franqueza e clareza dos seus propósitos que Na Sua Companhia incomoda. Enquanto as drags, legítimas e autênticas nas suas manifestações, como foram vistas em Garotas da Moda, são compreendidas, pela maior parte das pessoas, como algo externo a suas existências e vistas como criaturas pitorescas e exóticas, os homens amando outros homens do filme de Marcelo Caetano revelam uma afetividade dentro de nós, invisível e vivenciada por muitos em segredo. E, infelizmente, para muita gente isto é algo em que é melhor fazer de conta não existir.

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O filme edificante que a plateia esperava, L (Divulgação)

Mas, para alívio dos defensores dos valores familiares tradicionais, o último curta da noite, o bem intencionado e singelo L, de Thais Fujinaga, foi o momento de redenção que o público do CinePE parecia estar esperando. O filme mostra a história de uma garota magra, alta e com pés um pouco grandes que vive meio isolada por conta das brincadeiras dos colegas de escola, que a chamam de garça. Sua vida se torna menos difícil quando ela conhece um garoto de ascendência chinesa que tem o cabelo encaracolado. Juntos eles aprendem a conviver com a situação. A acolhida a L foi um pouco superdimensionada e levou a plateia a um êxtase descomunal de gritos e aplausos. Tudo bem que o filme é legal, bem realizado, bonito, tem uma proposta bacana de mostrar como é possível se viver com as diferenças, mas não tem nada de extraordinário.

A sensação que temos, sem menosprezo do público, é que Na Sua Companhia, embora não seja um filme hermético e muito menos uma obra apenas para iniciados, por sua proposta de dizer não a hipocrisia e de não sucumbir a pudores desnecessários está um pouco além do padrão comportamental médio dos espectadores que vão ao CinePE, mas afeito a comédias leves e filmes edificantes.

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