Cidadão Instigado

CAPAUHUUU

Foto Cidadao Instigao 5. Patricia Araujo
Cidadão Instigao (Foto: Patrícia Araújo/ Divulgação)

DAQUI PRO FUTURO
Falando sobre as incompreensões da vida, UHUU!, novo trabalho do Cidadão Instigado é o último disco brasileiro antes que a década acabe
Por Livio Paes Vilela

CIDADÃO INSTIGADO
UHUUU!

CAPAUHUUUÉ possível afirmar que essa década para música brasileira começou com um sentimento de término, uma melancolia profunda. Por mais que se baseie em histórias estritamente pessoais, muito da aura clássica do Bloco Do Eu Sozinho dos Los Hermanos é devido ao mal-estar generalizado que gritam aquelas guitarras distorcidas. Uma espécie de previsão da ressaca que viria pós-11 de Setembro. Não se trata apenas de se identificar com os causos de relacionamentos mal-resolvidos – estamos falando de se sentir relacionado (e a quantidade de fãs da obra só cresce) a um disco árido em esperança (há um pequeno lampejo em “Adeus Você”, mas só), que esconde suas amarguras no sarcasmo bem letrado de Camelo e Amarante. “É o fim, é o fim, é o fim!”, gritava Marcelo, antes de louvar, no desespero, o direito de fingir felicidade pintando o próprio nariz.

O mal-estar de “Bloco” pautou (indiretamente) muito o rock brasileiro que veio depois. Houve os que encararam o sentimento como um norte e o estilhaçaram em pequenas partículas de melancolia, como é possível ouvir ecos no samba nublado de Wado e Romulo Fróes, no pós-mangue do Mombojó, na dureza das palavras do Violins, no niilismo no Vanguart. E houve quem encarou o abismo como possibilidade de um novo começo, uma queda-livre mais feel-good e sem compromisso, cantados por esse novo Pato Fu “uh uh uh la la la ie ie”, pela psicodelia do Cérebro Eletrônico e dos Supercordas, e pelos próprios Los Hermanos, que dois anos depois soltaram um série questionamentos sobre o futuro no seu Ventura.

É nesse cenário que chegamos a UHUUU!, terceiro disco do Cidadão Instigado. Idealizado ainda nos anos noventa, entre Fortaleza e São Paulo, o Cidadão é obra da mente de Fernando Catatau (voz, guitarra e teclados), que acompanhado dos amigos Regis Damasceno (guitarra e violão), Rian Batista (baixo) e Clayton Martin (bateria), canta os dissabores do homem instigado por paixões, pressões, rotinas… a vida, enfim. Um sentimento análogo ao flagrado pelos amigos hermanos no começo da década, mas ainda sim diferente, principalmente por que se tratar de uma bad-trip personalista, única do cidadão construído por Catatau à base de rock progressivo, música brega e surrealismo.

Talvez pelo fato da banda não se encaixar tão facilmente no que aconteceu no rock brasileiro pós-“Bloco”, UHUUU! soe como o disco que une e resume toda essa história que se construiu de 2001 para cá. Por que é exatamente isso que ele é: o último grande álbum antes que a década acabe, aquele dá sentido, com o urro de felicidade do título, à maioria das perguntas e afirmações feitas até aqui.

“Não sei bem dizer o que mudou, mas talvez muita coisa tenha simplificado na vida, e isso deve refletir na música que fazemos”, diz Catatau em relação à mudança de vibe que marca o álbum. UHUUU! não é um grito descompromisso ou descaso com aquilo que a banda cantava nos seus outros discos, é uma expressão da sensação de leveza em perceber que há certas coisas que simplesmente não podem e não precisam ser respondidas. Dessa forma, UHUUU! coloca cada coisa em seu lugar. Ao invés de perguntar “para onde vamos daqui?” ou afirmar que este “é o fim”, o foco é no caminho, na experiência. O resto é resto, uhuuu!

Assim, se O Ciclo da De.Cadência (2002) e O Método Tufo de Experiências (2005) eram obras soturnas, UHUUU! é solar, mas lembrando sempre “que o sol está aí para nos queimar”, como diz o refrão do primeiro single do álbum, “Escolher Pra Quê?”. A faixa é uma espécie de manifesto do álbum e de como será tudo daqui pra frente: Catatau está atento o apocalipse (as inundações, o sol torrando nossas banhas), mas será que vale a pena ficar realmente pensando se ele virá ou não?

Musicalmente, é o disco mais bem gravado do Cidadão Instigado, graças ao apoio do projeto Pixinguinha. A banda flerta pela primeira vez abertamente com o pop (“Contando Estrelas” e principalmente “Como As Luzes”), enquanto conserva as suas premissas básicas, como as baladas românticas brega-setentistas (“Dói”), as esquisitices experimentais (“Ovelinhas”, “A Radiação na Terra” e “Doido”, com uma participação impagável de Arnaldo Antunes) e os tours de force progressivos (“Escolher Pra Quê”, “Deus é Uma Viagem” e “O Cabeção”).

“Eu sempre levei tudo isso muito a sério. Talvez o maior compromisso seja em poder tocar e falar qualquer coisa que se tenha vontade”, afirma Catatau, sobre a história da banda. Nesse sentido, UHUUU! é recompensa para os que o fizeram e para os que têm o prazer de ouvi-lo – aqueles que sabem como foram difíceis os últimos anos para a música brasileira. É um disco para se sentir bem. E, no fundo, precisamos de mais alguma coisa?

NOTA: 9,5