EXPERIMENTAL NACIONAL PARA EXPORTAÇÃO
Entenda o que é a música experimental e porque músicos brasileiros estão saindo do país para apresentar suas canções e improvisações mesmo fora da grande mídia
Por Paulo Marcondes
De São Paulo
Notas tortas, instrumentos pouco convencionais para criar música, efeitos eletrônicos dos mais variados possíveis, ruídos vistos como complementos para as canções, vocais que não se preocupam com a estética que se popularizou como música, alguns versos apenas falados, isso quando há alguma letra para ser cantada. No meio de tantas regras, seria no mínimo improvável que não houvesse a quebra delas, e a partir disso, nasceu a dita música experimental. A crescente formação de projetos, grupos e bandas desse gênero fez com que existisse um novo panorama neste estilo musical: o mercado internacional passou a se interessar por músicos brasileiros e começaram a aparecer convites para apresentações em diversos países.
Com o avanço dos meios de distribuição de mídias, instrumentos melhores, sintetizadores, computadores possibilitando ao músico a oportunidade de criar efeitos, barulhos e qualquer som estranho, fez com que o experimentalismo da música nacional crescesse. Hoje, o Brasil conta com inúmeras bandas e grupos desse estilo. Bodes & Elefantes, projeto idealizado por Guilherme Granado que toca na Hurtmold e acompanha Marcelo Camelo (ex-vocalista do Los Hermanos) em sua carreira solo, é uma das bandas que se apresenta e leva toda essa maneira não-convencional de se criar música para os locais mais diversos possíveis: centro culturais, teatros e casas de shows mais convencionais. “Eu fui compondo em casa, gravando e em um certo momento achei que tinha um disco no meio daquilo tudo. Foi natural. Bem orgânico. Agora a coisa tomou vida própria”
Além de se apresentarem dentro do país, conseguiram algumas oportunidades para viajarem e exporem seus projetos em outros locais. A banda Labirinto, que faz um som mais calcado no post-rock (estilo instrumental que mistura efeitos eletrônicos, jazz e rock) viajou ao Canadá e aos EUA no mês de junho em um dos maiores festivais de música independente destes países e parece não se segurar, como diz Erick Cruxen, guitarrista do grupo: “Estamos ansiosos, mas muito felizes e gratificados com essa turnê. Espero que voltemos ao Brasil, vivos e inteiros”. Outros músicos que viajaram recentemente para se apresentar também nos EUA, no festival SXSW, um dos maiores do mundo, foram os do septeto mineiro Constantina, que cria atmosferas sonoras e imagens mentais com suas músicas instrumentais que chegam a ter duração de mais de 14 minutos. Daniel Nunes, baterista do grupo, disse que a recepção do público estrangeiro foi ótima. “Acreditamos que a sonoridade e varias ideias do Constantina dialogam muito bem com a produção musical realizada por lá!”.
O baterista também dá os créditos desse estilo nacional estar indo para fora do país a duas bandas, a paulistana Hurtmold e a cuiabana Macaco Bong: “Com várias portas abertas por eles, isso tudo nos mostrou a possibilidade de uma possível carreira sustentável de trabalhos artísticos que não dependem de um grande circuito comercial”, diz Daniel.
Ao ver e se interessar pelo estilo, muitas pessoas acabam começando a criar e fazer parte deste gênero, até os mais jovens, como é o caso de Cadu Tenorio de 23 anos, da banda carioca Sobre a Máquina, que toca teclado, sintetizador, drum machines e até mesmo um ventilador parcialmente desmontado que, quando colocado uma moeda no meio do sabugo, faz som de metalúrgica. Com um disco lançado no fim de 2010 e outro a caminho, com previsão de sair ainda esse ano, o Sobre a Máquina é um exemplo de uma banda da “nova geração do experimental” e para Cadu a grande responsável por isso é o acesso a rede que muitas pessoas passaram a ter: “Com certeza não teria acesso a muita coisa que gosto sem a internet, não conheceria nem metade das bandas que conheço. E isso limitaria meu som“, diz e complementa: “Pra divulgação, é uma ferramenta sem a qual minha banda e outros projetos provavelmente não conquistariam um espaço abrangente, limitaria mesmo”. No grande circuito comercial algumas bandas vêm experimentando mais, como o Radiohead e o Animal Collective que mescla vocais pops com texturas e bases ruidosas e afirma: “No fim das contas não dá pra dizer que o Merzbow ou o Keiji Haino venham a frequentar rádios populares, mas pelo que anda acontecendo, o mainstream já tá sendo cutucado”.
Para o compartilhamento desse tipo de música, Elson Barbosa, baixista de uma banda do gênero, a Herod Layne, criou um selo virtual chamado Sinewave que conta com vários grupos experimentais. Neste site, Elson disponibiliza gratuitamente álbuns, eps, demos e singles para serem baixados gratuitamente com o consentimento da banda e organiza alguns festivais dentro de vários estados. Elson também opinou sobre o mercado nacional deste gênero estar indo para alguns países: “Qualquer ação que exporte arte brasileira para outros países é sempre válida”.
João Filho é dono de um dos maiores blogs de download de música experimental da internet, o ExperimentalEtc que foi criado em 2007 e tem cerca de 4000 discos postados que variam desde músicas iranianas da década de 30 a experimentações ruidosas de duos de noise, como o Tropa Macaca. “Em 2007 uns conhecidos da web com gosto em comum para música avessa encontravam certa dificuldade para chegar até alguns registros sonoros, mas conseguíamos trocar uns links, daí foi seguir o boom dos blogs de download e dar início a nossa morada dentro da blogosfera. Em suma, o blog nasceu de uma lacuna”.
Apesar de pouca difundida entre o mainstream (como é chamado o grande circuito comercial de música) a música experimental ganhou nos últimos 10 ou 12 anos uma nova perspectiva dentro do país, passou a tornar-se interessante aos olhos estrangeiros e por consequência, começou a levar músicos brasileiros para apresentações nos EUA, Canadá e Europa. Por não fazer parte de grandes indústrias, criou também uma nova ideia de mercado dentro dessa ‘cultura’, aonde ele já não existe como um comércio e o conteúdo (CDs, EPs e demos) deve ser compartilhado não importa como.
* Paulo Marcondes é jornalista e escreve para o blog AltNewsPaper.