Catto
Caminhos Selvagens
Editsy, 2025. Gênero: Indie rock
Depois de mais de uma década de carreira e dois álbuns marcantes como intérprete, Catto finalmente apresenta seu primeiro disco inteiramente autoral. Caminhos Selvagens (Editsy, 2025) marca não apenas um novo capítulo artístico, mas também uma ruptura consciente com os caminhos trilhados até aqui. Ao invés de repetir a fórmula bem-sucedida de Belezas são coisas acesas por dentro (2023), em que revisitava o repertório de Gal Costa com intensidade roqueira, a artista gaúcha opta por mergulhar em sua própria história e, no processo, confrontar os fantasmas que a habitam.
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Com oito faixas compostas ao longo de quase uma década, muitas delas nascidas como registros íntimos no celular, o álbum se estrutura como um inventário emocional. Cada canção carrega marcas de perdas, desejos e fragilidades, materializados em letras cruas, diretas e frequentemente dolorosas. A proposta é confessional, mas não literal: mesmo sem recorrer à autobiografia explícita, Catto transmite uma carga emocional tão densa que convida o ouvinte à identificação imediata. Há uma partilha de segredos e cicatrizes, quase sempre narradas sob uma luz sombria.
Musicalmente, Caminhos Selvagens aposta em uma sonoridade que combina elementos do indie rock e do rock alternativo dos anos 1990 com arranjos orquestrais e atmosferas etéreas. A produção dividida entre Fabio Pinczowski, Jojô Augusto e a própria artista oferece uma paisagem sonora instável e envolvente, que alterna momentos de contenção e explosão com domínio técnico e sensibilidade estética. Ainda que nem todas as faixas alcancem o mesmo impacto, o conjunto demonstra coesão e coragem.

Entre os destaques, “Para Yuri Todos os Meus Beijos“ surge como o centro gravitacional do disco. Ruidosa, expositiva e dilacerante, a canção sintetiza o espírito da obra: um desnudamento emocional que se impõe pela força dos sentimentos, mesmo quando a estrutura musical se fragmenta. Já “Madrigal“, com sua construção progressiva e cheiro de referências internacionais, reafirma a identidade da artista mesmo em terreno experimental. Em contraste, canções como “Eu Te Amo” e “Solidão é uma Festa” se aproximam de uma tradição romântica, mas com inversões líricas que desafiam expectativas e evidenciam um olhar maduro sobre o afeto.
Longe de ser um disco comercialmente estratégico, Caminhos Selvagens soa como um gesto necessário para Catto. É o álbum de uma artista que escolhe se posicionar vulnerável, ainda que isso implique riscos estéticos e mercadológicos. Ao priorizar a sinceridade sobre a conveniência, ela afirma sua liberdade criativa e reafirma a vocação artística que a tornou um dos nomes mais expressivos de sua geração.
Se o futuro de Catto como compositora ainda carrega incertezas (seu fôlego autoral nem sempre acompanha a intensidade da intérprete), Caminhos Selvagens representa um passo valente, marcando um rito de passagem tão simbólico quanto sonoro.



