Evento na nova casa Credito Bia Baggio
Evento na Casa Lontra no novo endereço. (Foto: Bia Baggio/Divulgação)

Casa Lontra se muda para o Centro do Recife

Com eventos que misturam música, audiovisual e artes visuais, a nova fase do espaço promete movimentar ainda mais a cena cultural experimental da cidade

Criatividade e experimentação permeiam a essência de movimentos artísticos no Brasil e no mundo. Seja por falta de recursos ou por pura vontade de burlar as regras do sistema, artistas e coletivos experimentais sempre buscaram diferentes relações com a arte. Foi inspirado por essa busca que em 2022 o casal de artistas Bia Baggio e Vitor Maciel tiveram a iniciativa de abrir as portas do seu lar para criar o espaço de arte experimental e multidisciplinar Casa Lontra. Inicialmente instalado no bairro dos Aflitos, na Zona Norte da capital pernambucana, o espaço agora se muda para novo endereço no Centro do Recife.  

O casal à frente da Casa Lontra vem de diferente áreas artísticas: Bia Baggio, originalmente de São Paulo, é formada em musicoterapia, psicologia, edição cinematográfica, e hoje atua no mercado audiovisual pernambucano. Já Vitor Maciel nasceu e cresceu em Pernambuco, é formado em Arquitetura pela UFPE e tem um histórico de intervenções artísticas na cidade. A ideia da Casa Lontra surgiu depois de uma viagem do casal a São Paulo onde Bia e Vitor assistiram apresentações vanguardistas de música ao vivo em residências domiciliares. A experiência despertou no casal o desejo de replicar algo parecido na sua própria casa no Recife. 

“Durante uma viagem a São Paulo antes da pandemia visitamos um evento que fazia música ao vivo numa casa. A gente pensou que dava pra fazer o mesmo na nossa casa. Aí começou a pandemia. Mas quando começou a liberar nós falamos com nossos amigos também artistas, Vi Brasil e D. Mingos. Em Julho de 2022 criamos o projeto inaugural da casa chamado Quartas VINGi.  

Casa Lontra
O casal por trás da Casa Lontra, Vitor Maciel e Bia Baggio. (Foto: Tai/Divulgação)

O nome “Casa Lontra” surgiu de forma simples e divertida sem levar muito em consideração nenhum simbolismo. “O nome da casa apareceu aleatoriamente. Achamos legal a sonoridade da palavra. Não teve muito estudo por trás. Apenas gostamos do nome,” disse Vitor. 

A escolha pode ter sido aleatória, mas o destino e o universo fizeram sua parte de enaltecer a força do nome escolhido por Bia e Vitor para sua aventura cultural. Uma marca registrada dos dispositivos e apresentações da Casa Lontra é o experimentalismo com elementos sonoros e música. Essa sonoridade bizarra, alucinógena, e transcendental combinam com a fluidez sonora do nome imposto ao espaço, especificamente com o termo “Lontra”, que se assemelha a “lombra”.

A curadoria da programação da Casa Lontra é realizada pelo próprio casal fundador do espaço. Adicionalmente, em alguns eventos o músico Thelmo Cristovam e a produtora Beatriz Arcoverde, também participam do processo curatorial. 

“O Thelmo apareceu em umas das apresentações das Quartas Ving na antiga casa, e desde lá ele e Bia [Arcoverde] viraram grandes parceiros e tem nos apresentado a vários artistas diferentes, como os membros do extinto coletivo Noise: Muído,” explicou Bia.

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Saxofonista e curador colaborador da Casa Lontra, Thelmo Cristovam, durante o Fizcarraldo Tour. (Foto: Danilo Galvão/Divulgação).

Desde o seu início muitas das experimentações vivenciadas na Casa Lontra foram apresentações musicais de noise. “A forte presença do noise na Casa Lontra aconteceu por acaso, mais por conta de nossa rede de contatos no mundo da música. Além de gostarmos do estilo, nós temos muitos conhecidos em comum que exploram esse estilo musical” comentou Bia. 

Embora a música seja uma linguagem frequente na curadoria da Casa Lontra, o espaço também busca trabalhar com várias outras linguagens artísticas como o audiovisual, por exemplo. Um desses segmentos é o cine “audiovisão,” apresentações de vídeos e filmes com o acompanhamento de uma performance musical. Mês passado, a casa sediou uma das etapas do evento sonoro-cinematográfico Fitzcarraldo Tour em parceria com o Instituto de Cinematografia Incorente (IOIC) de Zurique, na Suíça. Sobre a gerência do pesquisador argentino Pablo Assandri, o evento foi inspirado no filme Fitzcarraldo, um clássico do diretor do cinema alemão Werner Herzog. 

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Público prestigia evento na Casa Lontra. (Foto: Danilo Galvão/Divulgação).

No Recife, Pablo reuniu seis músicos internacionais de diferentes estilos musicais para dialogarem com filmes que abordam os paradoxos da tecnologia versus modernidade e o seu relacionamento com a humanidade. As apresentações sonoras serviram de acompanhamento musical improvisados em tempo real durante a projeções mudas de curtas específicos sobre o tema. Bia frisa que a proposta da curadoria da Casa Lontra é sempre buscar algo que saia do lugar comum e que tenha alguma dimensão experimental. 

“Buscamos diferentes formas de apresentações porque ainda estamos tentando definir a identidade da casa. Recebemos sugestões, mas também estamos conhecendo diferentes artistas que chamam nossa atenção,” completou Bia. 

Íntimo e pessoal

Depois de cerca de dois anos compartilhando momentos e experiencias artísticas dentro da sua própria casa, a necessidade de se locomover para uma localidade diferente virou um desafio no futuro da Casa Lontra e nas vidas de Bia e Vitor. Os ambientes e utensílios diários da casa se misturavam com o dia a dia do casal. O desejo de ampliar a característica de espaço coletivo da Casa Lontra sem afetar suas vidas privadas em grandes proporções foram algumas da considerações refletidas por eles para justificar a mudança. 

Evento na CL nos Aflitos Credito Bia Baggio
Evento na antiga Casa Lontra, nos Aflitos. (Foto: Bia Baggio/Divulgação).

“Estamos tentando criar um espaço coletivo. Na casa antiga a nossa cozinha e coisas do nosso lar se misturavam com a Casa Lontra, o que não era algo necessariamente ruim. No novo espaço ainda estamos nos entendendo como coletivo e com o que a gente quer ser como um coletivo. Ainda estamos aprendendo essa nova forma de morar, mas tudo está mais separado agora,” explicou Bia. 

A nova fase da Casa Lontra aterrissou na Rua Bispo Cardoso Aires no bairro da Boa Vista. Sua presença traz o potencial de revigorar e fortalecer o status cultural local. A região é uma das áreas mais artísticas e underground do Centro do Recife com espaços culturais que passam pela rua do Sossego com o Provinha Bar e o IRAQ do Recife; a rua Capitão Lima com a Casa Bacurau; e o vizinhos de rua da Casa Lontra, o Bar Terra Café.

Além da capacidade de comportar mais pessoas nos seus eventos, o deslocamento para o Centro trouxe vantagens imediatas para o público que frequentava ou desejava conhecer as atividades da Casa Lontra. A acessibilidade à casa é o destaque dessa mudança. Pessoas de várias classes sociais e de diferentes cidades da Região Metropolitana do Recife agora conseguem acessar com mais facilidade a Casa Lontra, via transporte público ou transporte pessoal e privado. Uma outra vantagem é a possibilidade de prolongar a programação noturna desse público pelo Centro após o encerramento dos eventos na Casa Lontra. Talvez, umas das consequências dessa movimentação noturna é o potencial de atrair investimentos públicos e privados para o desenvolvimento da região. Além das vantagens, a mudança de endereço também provocou reflexões sobre a identidade da Casa Lontra. 

“A maior diferença da nova localização é que a outra casa era mais intimista, o portão estava sempre aberto. Aqui não dá pra fazer isso facilmente. Estamos estudando como fazer,” disse Vitor. 

“Ainda existe um desafio cultural local que todo evento artístico tem que ser gratuito. Ainda estamos estudando a melhor forma de implementar um sistema para cobrança de ingresso. Mas se for ter entrada será sempre o mais acessível possível. No momento deixamos essa decisão para os artistas, explicou Bia. 

Apesar do benefício de realizar nos eventos na seu próprio lar, excluindo gastos com aluguel do espaço, ainda existem despesas com a manutenção e funcionamento do estabelecimento e seus equipamentos. No momento estes custos estão sendo atendidos através de recursos próprios do casal e aprovações em editais de incentivo a cultura como a Lei Paulo Gustavo.

“Incerteza e Experimentação”

A programação da Casa Lontra não tem uma frequência regular, e se depender dos seus organizadores, esse aspecto não mudará. Bia e Vitor desejam expandir cada vez mais o conceito de uma espaço coletivo de criatividade. Os intervalos na realização das atividades abertas ao público são essenciais para respeitar o processo de criação e maturação de novas ideias. O desejo de expandir as linguagens artísticas da sua programação também fazem parte do processo de descobrimento e experimentação ancorados na filosofia da Casa Lontra. 

“Não temos interesse em virar um espaço de festa, ou balada. Queremos instigar a cena experimental na cidade. A casa Lontra é pra gente uma oportunidade constante de estudos e aprendizados que estão nos trazendo novos encontros e novas parcerias em nossa vida.” finalizou Bia. 

Evento na nova casa Credito Bia Baggio
Evento na nova casa: mudança se insere dentro de um contexto de intensa movimentação cultural no Centro do Recife. (Foto: Bia Baggio/Divulgação).

A vinda da Casa Lontra para o centro deixará um legado na transformação da cena experimental local com sua ampliação do acesso a uma arte diferente e fora do comum. Como descrito no lema da casa (“Incerteza e Experimentação”) esses elementos causam inquietação, curiosidade, e criatividade resultando em um mar de descobrimentos e metamorfose que contribuem de maneira positiva na evolução do pensamento crítico e artístico da cultura pernambucana. 

As próximas atividades da Casa Lontra já tem data marcada. No dia de 11 de outubro, o evento Lontra Eufônica retorna dessa vez com o dueto do Forró Mourisco formado por Rodrigo Gondão e Ranier Venâncio. O Duo busca encontrar fios de conexão e reconexão entre a música do Nordeste do Brasil e a musica árabe.

No dia seguinte, 12 de outubro, a casa realiza mais uma edição do Cine Audiovisão com a performance dos músicos Missionário José, Homero Basilio, Chiquinho Moreira e Thais Barreto. Os artistas acompanharão musicalmente o clássico do cinema experimental brasileiro, o filme Limite de Mário Peixoto, de 1931. Toda a programação atualizada da casa pode ser encontrada nas suas redes sociais

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