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Foto: Julia Mataruna/Divulgação.

“Casa de Família” reestrutura memórias efêmeras e reflete sobre a papel feminino na esfera doméstica

Obra de Paula Fábrio explora a trajetória de Soraia, que tenta revisitar seu passado

Casa de Família
Paula Fábrio
Companhia das Letras, 296 páginas, R$ 79,90 | 2024.


Em um cenário literário que frequentemente se debruça sobre as questões sociais prementes, Casa de Família, de Paula Fábrio, se revela como uma obra fundamentada na sensibilidade e profundidade. Ao longo de suas páginas, a autora não apenas entrelaça a narrativa da protagonista Soraia com as intricadas relações familiares, mas também nos convida a refletir sobre os aspectos frequentemente negligenciados do trabalho doméstico e do papel da mulher na sociedade brasileira.

A ambientação da narrativa, que se desenrola em São Paulo em 2019, é o pano de fundo perfeito para a reflexão sobre a memória e a identidade. Soraia, a protagonista, enfrenta a inquietante realidade da perda progressiva da memória, um simbolismo da fragilidade das relações e da própria construção da identidade em meio ao caos individual.

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À medida que Soraia busca reorganizar suas recordações, a voz de diversas mulheres que passaram por sua vida – especialmente as empregadas – ecoa com força. A autora explora a essência das vivências dessas mulheres que, em sua busca por dignidade e melhores condições, são frequentemente relegadas a um segundo plano, visíveis apenas por trás da cortina do espaço doméstico.

Fábrio aborda com acuidade a temática do trabalho doméstico. A forma como essas interações são apresentadas revela um arranjo social enraizado em desigualdades históricas. Ao expandir a voz a essas mulheres, a autora provoca uma reflexão crítica sobre as estruturas sociais que perpetuam a opressão.

O ritmo da narrativa é notavelmente envolvente, levando o leitor a se imergir em uma espiral de curiosidade. Fábrio utiliza descrições vívidas que tornam o ambiente doméstico quase palpável, permitindo ao leitor observar, como um espectador silencioso, as dinâmicas familiares que se desenrolam sob o mesmo teto.

A condição feminina é uma das questões centrais do romance. Fábrio perscruta as expectativas impostas às mulheres, revelando um papel que frequentemente as limita ao “cuidado”. Soraia, em sua busca por compreender o mundo que a cerca, personifica a contradição de uma mulher que, embora se sinta compelida a seguir os moldes estabelecidos, também anseia por autoafirmação. Essa dualidade de sentimentos é exacerbada pelas influências das inúmeras mulheres que a cercam, cujas histórias e experiências se entrelaçam na formação de sua identidade.

A percepção de ser mulher é algo apreendido aos poucos, ainda assim de maneira ininterrupta e desconcertante. Feministas já disseram isso. Mas há coisas que não adianta ler nos livros. Então você acumula episódios que a tornam mulher.

Outro aspecto notável é a forma como a narrativa aborda a doença da mãe de Soraia. Este elemento quase como um catalisador para as interações familiares. A doença torna-se uma gancho para a inevitabilidade da perda e da passagem do tempo, um tema que reverbera na busca de Soraia por compreender suas próprias memórias e a história da sua família.

Casa de Família é uma incisiva crítica que pensa as estruturas de poder e as relações de classe e gênero que permeiam nosso cotidiano. Através da narrativa de Soraia, Paula Fábrio propõe que cada casa, cada família, é um microcosmo das complexidades e contradições que moldam a sociedade brasileira.

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