Eduardo Kac e outros artistas experimentam no conceito de vida para fazer arte
Por Giovana Casimiro
De São Paulo
Pensar a arte contemporânea é pensar em possibilidades ilimitadas de criação. Os artistas vêm se apropriando de conhecimentos de áreas científicas/tecnológicas e transformando suas obras em objetos extremamente questionadores e sensíveis. (já falamos disso bastante por aqui). Você já imaginou arte aliada à biotecnologia? A Bioarte é uma prática artística na qual o meio é a matéria viva e as “obras de arte” são produzidas em laboratórios e/ou ateliês.
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Para o desenvolvimento das obras, a principal ferramenta é a biotecnologia, que inclui áreas de estudo como a engenharia genética e a clonagem. Em geral, a Bioarte se relaciona com “formas vivas”. Os materiais usados pelos bioartistas são células, moléculas de DNA e tecidos vivos. Lidar com formas vivas e praticar biologia desperta questões éticas, sociais e estéticas e este ponto enriquece ainda mais sua produção, que por si só, permite maior reflexão. Com as inúmeras revoluções científicas das últimas décadas, a ideia do vivo alterou-se radicalmente.
O novo entendimento é que a complexidade da vida não deriva de uma grande arquitetura pré-determinada, mas de muito pequenos e caóticos mecanismos locais. Esta ascensão do vivo e seus mecanismos não podia deixar de afetar também a arte. Numa primeira fase essa influência resultou numa abordagem essencialmente ilustrativa ou exclusivamente ligada ao corpo humano, em particular o do artista. Mas a partir da década de 90 a “bio-inspiração” passa a se tornar experimental, diretamente em relação à criação de novas formas de vida. Uma vida artificial na maioria dos casos ou numa particular tendência a manipulação de vida existente. Desta forma, surge tal prática no século 21, suscitando ainda mais a união entre ciência e arte.
Entre alguns artistas, Eduardo Kac é um nome brasileiro de destaque. Em 1997, tornou-se a primeira pessoa a ter um microchip (um transponder de identificação) implantado no próprio corpo (especificamente, no calcanhar esquerdo), em sua obra “Time Capsule”, levantando questões de ética na era digital. Em 1999, Kac inaugurou a arte transgênica com sua obra “Genesis” no festival Ars Eletronica em Linz, Áustria. Na obra, um gene sintético (codificação de um trecho do Velho Testamento em inglês, convertido em código Morse e deste para o “alfabeto” do DNA) foi introduzido em bactérias, as quais eram expostas à luz ultravioleta por participantes remotos via web, causando mutação no código genético. Em 2000, causou novamente polêmica com sua obra GFP Bunny, onde utilizou de engenharia genética para introduzir genes de fluorescência em células reprodutivas de uma coelha: sob luz azul, o animal resultante emite luz verde.
Vivemos um momento onda há mais inteligência, seja dos homens, das máquinas ou dos novos organismos virtuais; e mais vida, natural ou artificial. Da mesma forma, mais arte, feita por homens, animais, robôs ou todos os novos seres criados, que vão desenvolvendo autonomia. Definitivamente, tais obras geram o questionamento do limite da arte. Há limite? Afinal, se trata de arte, ciência, ou ambos? Parece que a produção contemporânea levanta mais questões, do que respostas. Porém, mais do que refletir sobre as diversas áreas que envolvem a ciência e a sociedade, permite a visualização do mundo sob outro prisma: a partir de elementos reais, deslocados pela visão do artista, se constrói uma realidade nova, cheia de possibilidades lúdicas e sensíveis. Mais que isso, alcança os sonhos contidos no imaginário ficcional da humanidade.