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Rafael Rudolf em cena de Bicha Oca. (Foto: Chico Castro/Divulgação.)

“Bicha Oca”, peça sobre etarismo e conflitos geracionais do universo gay encerra curta temporada no Recife

Espetáculo teatral dirigido por Rodolfo Lima encena textos do escritor Marcelino Freire para falar de solidão e questões ligadas à velhice

Adaptada de cinco contos do escritor pernambucano Marcelino Freire, a peça Bicha Oca encerra a curta temporada no Recife nesta segunda (7), as 20h no Espaço Cênicas, no Recife Antigo. Criada em 2009 pelo Núcleo Teatral do Indivíduo, esta é a primeira primeira vez do espetáculo em Pernambuco. O ator e diretor Rodolfo Lima assina a direção e texto da obra, além de dividir o palco com ator de cinema e artista multidisciplinar paulista, Rafael Rudolf

O drama conta uma história de solidão, memórias, sexo e conflitos geracionais no ambiente gay sobre a perspectiva das lembranças do seu personagem principal, Seu Alceu, interpretado por Rodolfo Lima. Alceu é um homossexual envelhecido que ao revisitar seu passado e suas histórias invoca uma crítica sem concessões ao universo LGBTQIA+. Ele nos apresenta um mundo solitário, cruel e assustador da velhice gay e seu diálogo com as questões amorosas e sexuais. 

“O texto de Bicha Oca surgiu a partir da minha própria experiência em um relacionamento passado com um rapaz bem mais novo e depois de eu encenar um trecho do texto do Marcelino que me marcou muito, “A Volta de Carmem Miranda,” que dizia: ‘bicha deveria nascer vazia. É oca’. O Marcelino viu a peça e gostou muito. Eu disse a ele que gostaria de fazer uma peça só com os textos dele. Ele me deu o aval e hoje estamos aqui,” disse Rodolfo Lima à Revista O Grito!. O criador da peça escolheu os contos “A volta da Carmen Miranda” “Coração”, “Meus amigos Coloridos”, “Os Atores”, e ” Seu Alceu,” que abordam vivências do universo gay.

Rodolfo Lima nasceu e cresceu em São Paulo, e além de ator e diretor é também jornalista e doutorando na USP pesquisando a relação do teatro com o a homossexualidade. Sua primeira encenação foi um monólogo baseado nos textos do escritor gaúcho Caio Fernando Abreu. De característica alternativa e intimista, suas peças geralmente são adaptações literárias como as de Marcelino Freire.

 “O Marcelino me contou que Bicha Oca valorizou ainda mais os textos dele. A adição do poema “Seu Alceu” foi uma sugestão que ele me deu depois de ver o texto da peça, e eu acatei. Tenho adaptado a cada temporada a construção do personagem que o Rafael faz baseado nesse poema,” completou Lima. 

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Rafael Rudolf e Rodolfo Lima contracenam em espetáculo teatral baseada em contos do escritor pernambucano Marcelino Freire. (Foto: Gabriel Lage/Divulgação).

Em sua estreia nos palcos, Rafael Rudolf, também paulistano, tem construído uma carreira de destaque no cinema como ator e diretor. O artista participou de filmes premiados e provocadores como A Rosa Azul de Novalis e Desaprender a dormir de Gustavo Vinagre, além de dirigir e estrelar o curta Homem de Verdade que fez sua estreia mundial no Queenstown Queer Film Festival, na Austrália. 

“Eu sempre curti teatro, mas nunca me vi participando desse meio. Até que um amigo me contou sobre a chamada para o papel do rapaz de Seu Alceu e eu me identifiquei com o personagem, com o texto, com o conceito que dialoga com a pesquisa que eu realizo como artista de audiovisual explorando as entrelinhas por trás da iconografia erótica e pornográfica,” contou Rafael Rudolf. 

O papel feito por Rudolf é um personagem que desde 2009 já teve dez atores diferentes. “Cada ator traz uma roupagem única. O Rafael trouxe uma leveza despretensiosa pra obra que até então eu não tinha visto” destacou Lima.

“O Rodolfo e eu discutimos sobre as alternativas da construção desse personagem incógnito e eu entendi que o menino do Seu Alceu era um personagem real e deveria ser construido o mais real possível, por mais tóxica que a relação entre os dois fosse. Eu não sabia se conseguiria chegar nessa disponibilidade no palco por falta de experiência no teatro, mas eu entendi que essa conexão de corpos era importante acontecer. Eu fiquei feliz que deu certo porque o conceito da peça tem muito a ver com o que eu pesquiso e acredito,” explicou Rafael. 

Bicha Oca é uma peça intimista e provocadora que fala sobre o etarismo, o sentimento de solidão, e os conflitos geracionais gerados pela entrega de corpo e alma à sexualidade no universo gay. Por mais que a obra foque na interação entre dois homens homossexuais, sua reflexão tem um alcance universal ao tratar do vazio interior e complexo de se satisfazer, que vai se solidificando na vida de muitas pessoas adultas, sejam elas acompanhadas de outras pessoas ou não.

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Rodolfo Lima em cena de Bicha Oca. (Foto: Chico Castro/Divulgação).

As escolhas do controle de espaço do cenário minimalista combinada com técnicas rudimentares de iluminação contribuem para causar uma sensação de claustrofobia e de reflexão sobre a dinâmica de poder entre dois corpos. O conceito artístico da peça mistura mistério, fantasia, sexo e Madonna para provocar um questionamento central sobre os hábitos das trocas sexuais gays marcados pela fala do personagem Alceu, “bicha deveria nascer vazia.” A frase icônica leva-nos a pensar sobre se seria mais fácil amadurecer vivendo sem esperanças, sem sentimentos, sem desejos para enfrentar as pressões impostas pela sociedade. 

Bicha Oca estreou no Recife na quinta (3) no espaço da Escola Pernambucana de Circo. O espetáculo teatral finaliza sua curta temporada nesta segunda-feira (7) as 20h no 2º andar do Edf. Álvaro Silva Oliveira, na rua Vigário Tenório 199, na sede do grupo de formação teatral Espaço Cênicas. A peça tem classificação de 18 anos e os ingressos podem ser comprados pelo Sympla e no local.

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