🎬 Acompanhe a nossa cobertura especial do Festival do Rio.
Betânia
Marcelo Botta
BRA, 2024. Drama. 2h.
Com Diana Mattos, Nádia de Cássia
A força da história oral. Os entreveros entre as tradições seculares e os desejos de uma juventude digitalizada. E, claro, a beleza estonteante dos lençóis maranhenses. Exibido na mostra Panorama do Festival de Berlim deste ano, Betânia (2024), de Marcelo Botta, é uma graciosa produção realizada no extremo norte do Nordeste do brasileiro, com personagens cativantes que arrebataram o público do Festival do Rio nas sessões realizadas no Cine Odeon e no Estação Net Gávea.
Leia mais
+ Diretora pernambucana Milena Times lança seu primeiro longa “Ainda Não é Amanhã”
+ “Bird” emprega realismo fantástico para criar delicado coming-of-age em 16 milímetros
+ “Os Enforcados”: eletrizante filme de Fernando Coimbra vasculha as vísceras da criminalidade no Rio de Janeiro
Acompanhamos a personagem-título do filme, interpretada por Diana Mattos, que se encontra em luto pela morte do marido, ocasionada pelas complicações da vida no ambiente salino. Centro gravitacional da família, a parteira Betânia vive isolada, mas diante da falta de energia elétrica e das dificuldades de sobreviver da pesca, é convencida pelos parentes a ir morar com a filha num povoado menos afastado (com luz e internet). O filme aborda o constante conflito geracional, bem como a dura tentativa de se estabilizar financeiramente em uma região relegada à própria sorte.
Há cenas lindamente elaboradas na obra de Marcelo Botta. Unicamente sob a luz de velas e fogueiras, as sequências dos rituais cantados pela comunidade são de uma beleza ímpar. Majoritariamente composto por moradores da região e não-atores, o elenco é muito eficiente (ainda que demonstre limitações compreensíveis) ao imprimir completa verossimilhança àquelas vidas tão arraigadas ao lugar de nascença. Diana Mattos, que faz sua estreia como atriz de cinema, é de uma entrega fascinante; com uma atuação surpreendente, conduz o filme em total segurança.
Sim, as fragilidades no roteiro são visíveis. O texto do filme insiste em mostrar o que já é óbvio demais: os obstáculos vivenciados por aqueles moradores, sejam eles ambientais, sociais ou de esfera particular. Além disso, a montagem é fraturada em inserções que, sem fluidez, comprometem o andamento da narrativa. Se, por um lado, a magnificência das dunas e lagos dos lençóis maranhenses é muito bem capturada pela câmera de Botta, há também uma tentativa excessiva de criar imagens maravilhosas, cuja finalidade narrativa é quase nula.
O filme traz mais de dezenas de momentos musicais, entre toadas de Boi, Tambor de Crioula e gêneros mais contemporâneos, como Reggae Remixes. Como pernambucano, é impossível não perceber confluências entre as toadas de Boi e as sambadas de Maracatu de Baque Solto. A riqueza cultural do Maranhão, ainda pouco conhecida pelo público estrangeiro e por muitos brasileiros fora do estado, é um verdadeiro tesouro e a produção consegue transmitir essa grandiosidade cultural à tela. Talvez seja esse seu grande trunfo.
Betânia ainda brinca com a presença de turistas estrangeiros na região em uma sequência tensa e engraçada com dois personagens franceses. Com sua leveza característica, ainda que trate de temáticas tão profundas, o filme de Marcelo Botta é uma singela homenagem à população maranhense e suas raízes culturais, mesmo que estruturalmente irregular enquanto narrativa cinematográfica.
Leia mais: críticas
- “Wicked”: adaptação do musical da Broadway é tímida, mas deve agradar fãs de Ariana Grande
- “Herege”: com boa premissa, novo suspense da A24 se perde em soluções inconvincentes
- “Gladiador 2” é ambicioso ao explorar os dilemas de uma Roma decadente
- Um “Seu Cavalcanti” para chamar de seu
- “Ainda Estou Aqui”: tomografia de uma família flagelada pela ditadura