NAS TREVAS DE VERDADE
Novo filme resgata a verdadeira sordidez do HQ e faz o homem morcego mergulhar profundamente num mundo de crueldade, inferno e irrealizações
Por Paulo Floro
BATMAN – O CAVALEIRO DAS TREVAS
Dir. Christopher Nolan
[The Dark Knight, EUA, 2008]
O claro intuito deste novo Batman estava bem evidente meses antes de seu lançamento: ele precisaria ser o melhor filme de super-herói já feito até então. Aquele que redefiniria o conceito de adaptações de quadrinhos, bem como o próprio cinema de ação – com uma aura blockbuster – geralmente destinado a gerar receita rápida em período de férias escolares. Tudo foi conseguido, mas o mérito vai além de uma campanha muito bem articulada de marketing. Os responsáveis por isso são Christopher Nolan, o diretor e, sobretudo a Heath Ledger, como Coringa.
Foi Ledger que ajudou a fazer de Cavaleiro das Trevas uma candidato a “clássico” já que sua atuação é hipnótica e preenche quase toda a projeção e chega até a obscurecer seu protagonista, interpretado por Christian Bale. A loucura e a crueldade do Coringa são tão verossímeis que causa um misto de desconforto e deleite no espectador. O ator australiano se jogou no papel e passou a ter problemas de relacionamento durante as filmagens. Até mesmo a maquiagem – com direito a cicatrizes – foi fruto de sua própria imaginação. O processo de criação da persona do vilão causou muitos danos a Ledger, mas, curiosamente foi este mito criado em torno de sua morte que ajudou a fazer do longa uma espécie de epitáfio da carreira e do que ele representou para sua geração. Uma espécie de “mártir pop”, como o fora River Phoenix em seu tempo e tantos outros.
Desde que foi encontrado morto em seu apartamento, em janeiro desse ano, com apenas 28 anos, uma publicidade viral involuntária tomou forma na internet. Para a Warner planejar a sua foi um passo. O principal deles é o site Why So Serious?.com (Porque tão sério?), que remete a um dos vários bordões utilizados pelo Coringa no filme. Outros sites surgiram: “I Believe in Harvey Dent“, “Citizens For Batman“, “Gotham Cable News“, “Maiden Avenue Report“, “The Gotham Times“, além do site oficial do filme.
Por mais que toda uma campanha tenha sido empreendida para legitimar uma relevância ao filme mesmo antes do lançamento, nada exime o fato de Cavaleiro das Trevas ser, sim, um novo passo no que se acredita ser um filme desse estilo. Não chega a ser vanguarda, mas aponta possibilidades interessantes para adaptações no cinema. O roteiro e a direção apontam a uma sofisticação quase inédita com poucas concessões ao cinema esquemão. O Coringa de Ledger comprova. Baseado num roteiro que mescla momentos de ação com terror psicológico, o palhaço assassino é extremamente violento. Seu sadismo e crueldade não são apenas discurso – como nos filmes anteriores e se revelam de maneira explícita em cenas que, graças a Ledger, se tornaram emblemáticas. Ele não conservou nem mesmo o humor negro do personagem. É apenas macabro.
Nolan das trevas
O diretor Christopher Nolan (Amnésia) seguiu à risca seu projeto de trazer para o cinema o Batman obscuro, baseado nas histórias adultas que reinventaram o personagem, como Frank Miller. O primeiro de sua fase à frente do homem-morcego nas telas, Batman Begins chegou a ser monótono. Mas Nolan não abriu mão de ser o mais realista possível ao apresentar a origem do herói. Sua armadura, seu batmóvel e suas aprimoradas técnicas de combate eram um adeus ao Batman romântico (Michael Keaton) e ingênuo (Adam West, do seriado), e até mesmo patético (George Clooney) das encarnações anteriores.
O Batman de Nolan é desiludido do ideário da possibilidade de um mundo sem crimes e está constantemente questionando seu papel na manutenção da paz em Gotham City. Como outros autores da HQ já haviam abordado, existe um ciclo vicioso envolvendo o herói e seus vilões, cada um alimentando a psicose do outro. Apesar de ser um tema já quase esgotado nos quadrinhos, foi muito bem inserido neste longa.
É isto que faz de Cavaleiro das Trevas um filme inusitado, mais do que a já conhecida e incensada interpretação de Heath Ledger. Para Nolan, não bastou apresentar uma boa trama e clímax seguido de catarse. Pontos importantes na mitologia do personagem foram bem utilizados. Referendou inclusive a imagem de anti-herói, do psicótico anti-social que encena uma tragédia quase shakesperiana com seus combatentes. O roteiro foi construído para externar essa faceta obsessiva dos personagens. É emblemático o diálogo entre o Coringa e Batman na delegacia, quando num momento de assustadora lucidez, o palhaço afirma para o morcego: “você me completa”.
Dia das Bruxas
Apesar do nome do filme aludir a um das mais famosas obras de Frank Miller, Batman – O Cavaleiro das Trevas se inspirou em outra HQ, O Longo Dia das Bruxas, de Jeph Loeb e Tim Sale, que terá relançamento este mês pela Panini. Na trama, Harvey Dent, Comissário Gordon e Batman precisam limpar a cidade de grandes famílias mafiosas de Gotham City, chefiadas por Carmine “Romano” Falcone e Salvatore Maroni. No quadrinho, um misterioso vilão conhecido como Feriado dá início a uma série de assassinatos.
No filme, Coringa entra nessa intricada luta contra o crime para, como diz ele, “representar o caos”. Ele não está interessado em dinheiro (ele o queima em uma das cenas finais). Batman é sua isca para corromper e provocar a sociedade e as instituições de Gotham. Tudo neste novo filme de Batman serve para provocar o espectador, como fizeram importantes obras anteriores nas HQs.
NOTA: 10
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