Um olhar adiante no empreendedorismo cultural
Nova série de O Grito! conversa sobre presente e futuro de quem trabalha com arte e cultura em Pernambuco
Melina Hickson é o nome por trás de um dos principais eventos do mercado da música nacional, o Porto Musical. Produtora de longa estrada, ela produz o cantor Siba, foi responsável por diversas turnês internacionais de bandas pernambucanas e foi produtora executiva do Abril Pro Rock durante 13 anos. Melina concedeu entrevista à Revista O Grito! onde fala sobre a política cultural pernambucana, a necessidade dos incentivos fiscais para o aquecimento do mercado cultural e dos percalços que os produtores se deparam, quando o assunto é captação.
Perenidade é um dos principais temas que aborda a cada pergunta, lembrando que salta aos olhos a necessidade de criar-se um ciclo virtuoso no mercado de economia criativa do Estado. Elogia as iniciativas atuais, mas pontua a criação de uma política pública mais efetiva e de largo alcance.
A entrevista com Melina marca a estreia de uma nova série na revista, com entrevistas com os principais nomes da indústria cultural pernambucana. A ideia é fazer um panorama do mercado cultural e servir de inspiração para novos produtores que estão chegando.
Revista O Grito! – Como é produzir artistas no Brasil, um país com tantas disparidades?
Melina Hickson – Eu produzo um artista pernambucano que já é considerado nacional, digamos assim, e por isso a lógica da circulação e da produção é a mesma de qualquer outro artista baseado no Rio ou São Paulo. Mas, é uma lógica diferente dos artistas mais locais, pois o público do local de origem já está consolidado. De qualquer forma, em Pernambuco temos uma peculiaridade, que são os shows bancados pelos governos municipal e estadual, algo bem diferente do resto do Brasil. Os shows das festas comemorativas (Carnaval, São João, Natal e etc) trazem uma oportunidade de circulação e interiorização da música que não existe facilmente em outros estados. Esta oportunidade pode ser boa, como pode ser ruim. Ela deve ser considerada apenas como uma das possibilidades de circulação, porém não deve ser nunca a única forma de um artista daqui fazer shows no Estado. O empreendedorismo do artista é muito importante para circular independente do contrato com o governo.
Como você enxerga hoje a captação de recursos tanto via iniciativa privada quanto pública?
A captação de recursos híbrida é a melhor solução para qualquer projeto, pois amplia as possibilidades. Os editais e os fundos, a Lei Rouanet, as leis estaduais de incentivo, todas as opções são válidas para a captação de recursos. Pernambuco por exemplo, vem perdendo bastante desde que extinguiu o mecenato e transformou tudo em fundo. Muitas empresas pararam de investir em projetos pernambucanos, porque não podem descontar do ICMS e o Funcultura não traz visibilidade de marcas para elas. Um sistema de incentivo à cultura híbrido com fundo e mecenato seria o ideal para captação de recursos dos projetos. Há projetos que tem muito apelo popular e muita visibilidade que poderiam contar com o mecenato e as empresas se interessariam de patrocinar. E há projetos que não tem tanto apelo para empresas privadas como teles e cervejarias, mas, que são muitíssimo importantes e que um fundo ajudaria a viabilizar.
As políticas culturais atuais do Estado atendem às demandas dos produtores e artistas?
Não. Não atende. O Funcultura não é política pública, é uma forma de incentivo, válida, e como! mas não é uma política. E os festivais do interior precisam apostar mais em capacitação e menos em entretenimento. Infelizmente, com a quantidade de festas comemorativas e a falta de planejamento do Estado, gasta-se um dinheiro enorme e não se faz nenhuma reserva para projetos de sustentabilidade do mercado para o resto do ano. Ficam sem fôlego e passam a negligenciar completamente iniciativas civis que poderiam ser parceiras na complementação de um pensamento para a política pública para os setores da cultura e da economia criativa.
Quais as vantagens de fazer o Porto próximo ao carnaval?
Acreditamos ser uma época melhor para a atração de estrangeiros para o Recife. O Porto Musical atrai muitos profissionais estrangeiros. Gente que veio, vem e virá pela primeira vez ao Recife por conta do Porto, gente que conhece a música daqui por conta do Porto e que leva esta música para seus países de origem, levando junto, claro, os nomes, Recife, Pernambuco, Brasil. Não há divulgação mais espontânea, orgânica e bacana do que esta para a cidade e para o Estado. Às vezes tenho enorme dificuldade de compreender porque os governos não atentam melhor para este tipo de iniciativa, percebendo a importância do Porto Musical para o desenvolvimento de um setor, de um mercado, de novas discussões e oportunidade na área da economia criativa e no próprio turismo do Estado. Fazendo o Porto Musical num período pré-carnavalesco, o visitante ao chegar no Recife para participar da convenção tem a chance ficar para o carnaval e assistir a mais shows e fazer uma verdadeira imersão na cultura de Pernambuco, o que amplifica imensamente as ações do evento.
Aproveitando, quais as principais novidades do Porto Musical?
O Porto Musical vai repetir uma experiência super bacana da última edição, os speed meetings. Fizemos 250 pequenos encontros e desejo aumentar esse número, tivermos um retorno enorme dessa iniciativa, também vamos investir numa capacitação mais longa, com três workshops durante os três dias do Porto Musical. Aumentaremos a grade de programação de shows e teremos shows diurnos. O Porto Musical também está se espalhando mais, acontecerá em seis lugares diferentes no Bairro do Recife: Portomídia, Teatro Apolo, Teatro Hermilo, Paço do Frevo, Torre Malakoff e Praça do Arsenal da Marinha.
A maioria dos patrocinadores de eventos locais são marcas nacionais, você acha que há um desinteresse das empresas locais em encabeçar eventos de porte?
Acho que há desconhecimento e até desinteresse de patrocinar projetos e eventos culturais. Também há de se considerar que a maioria também tem um grande recolhimento de ICMS que poderia ser usado caso houvesse dedução numa lei de incentivo estadual à imagem da Lei Rouanet. E quanto ao uso desta Lei, às vezes o recolhimento do Imposto de Renda não chega a ser tão expressivo que favoreça usá-la para incentivar projetos. Muitos também não enxergam os eventos como fonte de visibilidade, apostando sempre toda sua verba de promoção para marketing e propaganda.
OG – Do ponto de vista do produtor, o cenário hoje está mais fácil para trabalhar a exportação de um artista brasileiro, tanto em relação a shows quanto à distribuição de uma obra?
Apesar do maior acesso que existe hoje dos brasileiros às feiras de música do mundo e do reconhecimento delas para a divulgação da música brasileira e para o desenvolvimento internacional de carreiras, o cenário está bem mais difícil do que há oito, nove ou dez anos atrás, quando eu comecei a fazer turnês fora do Brasil. E isso não é porque a música está desinteressante, mas, por um motivo simples, a Europa, que sempre foi o continente que mais recebeu grupos daqui, está em crise econômica e sem dinheiro para artistas desconhecidos, de pequeno e médio porte. Todo o dinheiro dos festivais vai primeiro para o artista mainstream, o que sobra vem pros outros. Um detalhe importante: as bandas pernambucanas são enormes, cada membro custa uma valor “X” para aquele festival, entre cachê, hospedagem, transporte, alimentação, taxas, visto e etc. Tudo isso é considerado pelo programador hoje em dia para convidar ou não uma banda por seu festival. “Enxugar” é a palavra do momento para quem quiser seguir.
Qual a principal função ou característica do bom produtor?
Nunca fiz curso de produção. Aprendi com a experiência diária e continuo aprendendo sem parar. E esquecendo, e aprendendo de novo. Produzir é saber todas as funções, ter uma boa equipe quando possível e entender do que você faz e quando não entende chamar alguém para somar com você, fechar as lacunas que você não consegue. Não dá pra fazer tudo sozinho, mas, se você não puder ter um equipe, tem que botar a mão na massa mesmo e tentar fazer. Para isso você precisa ter artistas e sócios que ajudem você a ir crescendo a aprendendo junto. Eu tive essa sorte a vida toda com Siba, Paulo André e com meus atuais parceiros do dia a dia: Pérola Braz, José Oliveira e Virgínia Correia. A lembrança mais remota na área de produção de eventos, definitivamente foi a produção de um dos jogos internos do meu colégio, uma mega produção! :)
Tem algum trabalho que você se arrependa?
Sim. Quando mesmo depois de tantos anos de carreira, produzindo e criando meus próprios projetos, assumi a direção de produção de um projeto de outra pessoa, com outra cabeça, outro funcionamento de produção. Apesar da enorme dedicação, me arrependi sim, ficou a lição de que nem sempre saber produzir é suficiente, saber se relacionar é tudo nessa vida. E, sim, definitivamente não sei fazer coordenação de transporte!
Quais suas principais apostas?
Aposto em tantos e em nenhum músico ao mesmo tempo. Na produção artística pernambucana e de outras partes do Brasil, eu aposto muito, na capacitação de novos produtores também. Numa atuação positiva desses dois (artista+produtor) eu aposto demais. No entanto, não aposto muito no desenvolvimento de um mercado consumidor local realmente significativo, numa difusão democrática, nisso não aposto muito…