Barbie
Greta Gerwig
EUA e Reino Unido, 2023, 1h54, 12 anos. Distribuição: Warner Bros. Pictures
Com Margot Robbie, Ryan Gosling e America Ferrera
Em cartaz nos cinemas
Após meses de mega campanha publicitária, muitos memes e altas expectativas, que já o tornaram um fenômeno antes mesmo da sua estreia, o filme Barbie, da diretora Greta Gerwig, chega esta quinta-feira (20) aos cinemas como o lançamento blockbuster mais aguardado do ano. Aqueles que tinham grandes expectativas em relação a produção podem ter certeza de que elas serão cumpridas, pois o longa-metragem oferece tudo o que se esperava dessa colaboração entre Gerwig, Warner Bros. e Mattel.
Embora já fosse esperado que o filme combinasse uma abordagem cômica com temas mais profundos e trouxesse até algum verniz feminista (afinal, “Ela é tudo. Ele é só o Ken”), ninguém sabia ao certo como a diretora conseguiria aliar isso de forma coesa com o lado propagandístico e comercial da produção. Assim, o que poderia ser só mais uma comédia contida e boba sobre a boneca mais popular do mundo, em formato de publicidade genérica, transforma-se, nas mãos da cineasta, em uma sátira divertida e inteligente, que explora astutamente as contradições e encantos do brinquedo.
Se por um lado, a Barbie representou durante muitos anos um modelo desonesto e irreal para nós, mulheres, tudo isso vira matéria-prima para muito sarcasmo e irreverência no roteiro escrito por Greta Gerwig e Noah Baumbach. Enquanto isso, a atmosfera extremamente lúdica e nostálgica que envolve a marca é cuidadosamente preservada na produção, trazendo à tona memórias da nossa própria infância. É um filme que lida muito bem com a dualidade, tornando-se capaz de simultaneamente celebrar e satirizar o legado da boneca.
Durante o longa, o sonho cor de rosa é materializado na Barbielândia, a terra onde habitam as Barbies, os Kens – e, claro, o Allan (Michael Cera). Nessa fantástica vida em plástico, são as bonecas que comandam tudo. Elas são presidente, jornalistas, juízas, ganham Nobel e ocupam todo o Congresso. Comparáveis ao monólito de 2001: Uma Odisseia no Espaço (1968), de Stanley Kubrick, as Barbies são tudo – e os Kens só são algo se forem notados por elas. Greta Gerwig faz, portanto, da dinâmica nessa terra em tons pastéis uma constante brincadeira com os papéis de gênero.
Contudo, o equilíbrio dessa vida perfeita é abalado quando a Barbie de Margot Robbie, que personifica a versão estereotipada da boneca, começa a lidar com o vazio existencial, vê seus pés ficarem chatos e descobre a celulite. Desesperada por ajuda, ela vai atrás da Barbie Estranha (Kate McKinnon), que surge na tela com o rosto riscado e o cabelo cortado assimetricamente, uma justa e divertida homenagem àquela boneca com a qual a gente exagerou demais brincando. A partir desse encontro, a personagem de Robbie descobre que as anomalias são resultado de interferências vindas do Mundo Real e, para consertar tudo, deve visitar esse inexplorado universo.
Ao lado do Ken de Ryan Gosling, a protagonista embarca em uma corajosa aventura em direção a essa nova realidade, na qual acredita ser vista como uma espécie de ícone feminista, responsável pelo empoderamento de todas as mulheres e aplaudida por elas. Deparando-se, no entanto, com um mundo regido pelo patriarcado, onde os homens ocupam as posições de poder – o que se estende à composição da diretoria da sua empresa-mãe, a Mattel –, Barbie enfrenta sentimentos de frustração e decepção pela primeira vez. Para Ken, porém, esse cenário é encarado com muito entusiasmo e ele se diverte com as infinitas possibilidades que lhe são oferecidas.
Mas Gerwig ainda consegue elevar essa jornada, trazendo uma narrativa carregada de irreverência e compaixão sobre amadurecimento e autodescoberta, permeada pelo tato sentimental que é tão característico do seu trabalho ao abordar a relação entre mulheres. Desse modo, a trajetória de Barbie consegue refletir em algum nível a transição da infância para a adolescência, quando abandonamos a redoma de vidro do nosso mundinho particular e perfeito para encarar questões como a finitude da vida e o impacto do machismo em nossa formação. Como uma adolescente imatura, Barbie é exposta a essa realidade e seu arco envolve, justamente, encarar todas as complicações inerentes a essa descoberta.
Nesse sentido, Margot Robbie chega perfeita para o papel, irradiando todo o otimismo ingênuo e exagerado da boneca, mas sem nunca parecer caricata demais. Na tela, a interpretação sensível da atriz é sempre contrabalanceada por um Gosling hilário, que aparenta estar muito confortável em trazer às telonas um lado mais engraçado. Chega a ser até irônico que, no filme da Barbie, seja justamente o Ken a roubar a cena.
Além da dupla, outra grata surpresa é America Ferrera, que vive uma das personagens humanas da trama e interpreta um marcante monólogo, que será imediatamente reconhecido pelos espectadores. Na verdade, todo o elenco coadjuvante está deslumbrante, sobretudo as Barbies e Kens, e os números musicais chegam muito bem coreografados, saltando aos olhos de quem for conferir nas grandes telas.
Com um extraordinário design de produção, assinado por Sarah Greenwood, o filme cria um universo coeso e lúdico de “dreamhouses” em tons pastéis, incorporando elementos de todas as eras da boneca. Nesse mundo, Barbie toma banho sem água, flutua ao sair de casa e dirige o carro sem nem mesmo precisar tocar no volante – uma brincadeira elevada a grande escala.
A decisão de não adotar CGI se reafirma acertada e contribui para a autenticidade do filme. Afinal, se os brinquedos são objetos que nós tocamos, como mencionou Greenwood em entrevista, tudo no filme transmite essa sensação tátil e artificial das peças de plástico. Não é surpreendente que a construção do set tenha causado uma escassez internacional de tinta rosa.
O filme, que marca a primeira incursão da diretora numa produção inteiramente mergulhada na cultura pop, chega ainda carregado de referências e metalinguagem que extrapolam o universo da boneca da Mattel. Os exemplos vão dos mais óbvios como referências à celebrada série Orgulho e Preconceito (1995), da BBC, e à clássica trilogia O Poderoso Chefão (1972) até aquelas mais sutis, que escapam aos olhares mais atentos em apenas uma exibição.
Ainda que encontre suas próprias contradições, sobretudo quando critica o próprio consumismo que torna o filme possível, Barbie não perde sua força. Na verdade, já era algo de se esperar, pois é um aspecto inerente ao projeto, dada a natureza mercadológica e comercial da produção. Mas Greta Gerwig demonstra um profundo entendimento do que está fazendo, reempacotando a queridinha boneca da Mattel em uma comédia inteligente e perspicaz, capaz de mexer com nossas emoções.
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