A data que marca a morte do Zumbi dos Palmares, o 20 de novembro, para além de relembrar um passado nefasto e celebrar a garra e a luta do povo negro, é um momento de conexão de todes os pretes com África. Essa verve tem hora e data marcada para acontecer e será realizada neste sábado, Dia da Consciência Negra, às 19h, na Casa Bacurau, com as DJs Luana Consegue e Makeda. O evento é uma produção da MaddaM e vai trazer muito afrobeat, afrohouse, Kuduro e outros ritmos, buscando provocar um diálogo entre as pistas de dança e o necessário reconhecimento da ancestralidade na música.
Com uma proposta de realizar uma conexão com a cultura negra, as DJs tem um lineup que traça uma verdadeira etnografia dos afetos, explorando as possibilidades do imaginário, da memória histórica do nosso corpo por meio da música. Mixando ritmos e sons que colocam em xeque o status quo do ideário de sexo, raça e gênero cristalizados da modernidade ocidental. Criando, assim, um momento de catarse com o ritmo, o calor e o suor, numa verdadeira teogonia e uma cosmogonia de caráter celebrativo e emancipatório, sob a luz estroboscópica.
Para saber um pouco sobre Banga conversamos com a DJ Makeda, que é socióloga, musicista, pesquisadora, produtora musical e cultural que explora diferentes sonoridades, melodias e timbres representados na musicalidade das culturas negras. Ela, ao lado de Luana Consegue, multiartista independente, compartilha conosco os caminhos que serão traçados nesta noite que vai fazer circular a força sagrada do axé ancestral, fazendo nosso corpo gingar para uma encruzilhada dançante, jogando a luz da vida sobre a força da melanina para que possamos despachar o carrego colonialista.
Revista O Grito! – Em uma pesquisa rápida, Banga é significa habitação rústica, qual o significado da utilização deste nome para essa celebração do 20 de novembro?
Makeda – Esse é um dos significados de Banga. Em Moçambique, é taberna ou festa, por exemplo, mas o sentido que queremos propor para palavra Banga é aquele que vem de Angola. Banga, na língua Kimbundo, angolana, é uma expressão que traz o sentimento de valorização de si próprio, da sua aparência. Tem a ver com causar uma sensação no outro, trazer uma elegância, envaidecer-se. Esse sentido está completamente relacionado com o que queremos propor para festa. Um espaço de celebração da autoestima positiva, dos corpos, estéticas, partilha de sentidos e conexões da cultura negra.
ROG – Quais grupos de músicas e ritmos que fazem essa conexão?
Makeda – Banga é justamente esse encontro entre sonoridades da música negra brasileira e as diásporas africanas. Escolhemos estrear justamente neste sábado, 20 de novembro, Dia Nacional da Consciência Negra, que é uma data de celebração, reflexão e de conscientização sobre a resistência e a luta por mudanças num contexto de desigualdades, exclusão e racismo vivenciados pela população negra. Nesse primeiro momento, que é a nossa estreia, eu e a DJ Luana Consegue iremos trazer nossas próprias pesquisas. Luana, mulher preta e periférica, traz em sua pesquisa uma das raízes da música preta periférica recifense, que é o Brega Funk, somada a outros ritmos da musicalidade local. Eu, Makeda, tenho direcionado a minha pesquisa, sobretudo, ao Afro House e ao Kuduro, por isso também essa conexão com Angola. O Kuduro é um importante movimento cultural que nasceu em Luanda, capital de Angola, na década de 1990. Então, os participantes podem esperar muito Afro House, Brega funk, Kuduro, assim como artistas negres da música contemporânea feita no Brasil.
ROG – Como é possível estabelecer o diálogo entre as pistas de dança, o reconhecimento da ancestralidade na música?
Makeda – Olha, no meu papel como DJ, busco provocar as pessoas trazendo referências que estão para além do que elas já estão mais acostumadas a ouvir. Meu movimento é exatamente traçar um diálogo entre o que me emociona e o que faz parte de mim e o que pode mover as pessoas a um outro lugar na pista. Minha proposta é mexer com as estruturas já sedimentadas nos ouvidos das pessoas, sobretudo, quando se fala de música negra. É trazer minhas influências da musicalidade negra para as pistas a fim de provocar uma conexão, um sentimento ou um questionamento sobre o lugar onde está o interesse dos ouvintes. Essa conexão com Angola já é parte de um processo, nas minhas pesquisas, de comunicação com sonoridades de países africanos. O Brasil é um dos países que tem a maior população negra fora da África, minha conexão tem sido, sobretudo, com alguns países que falam o português, que são Angola, Moçambique, Cabo Verde, Guiné-Bissau e São Tomé e Príncipe. E Angola tem muito em comum com o Brasil. De lá, vem as maiores contribuições para formação da nossa cultura, então, esse é um passo de resgate da nossa ancestralidade. A conexão entre o Kuduro, um estilo musical nascido nos musseques, ou seja, nas periferias de Luanda, e o Brega funk, um estilo que nasce nas periferias de Recife, é também uma conexão e reconhecimento da ancestralidade na música, na perspectiva de uma tradução intercultural. Esse movimento é atualizado por meio do que é contemporâneo, sobretudo, porque, além de serem gêneros musicais eletrônicos, são estilos de música para festa. O Brega Funk foi o gênero mais tocado no carnaval de 2020 em todo o Brasil e o Kuduro é justamente a fusão da batida rápida eletrônica com gêneros locais, como a música de carnaval angolana. Nesse primeiro momento, é esse diálogo que estamos oferecendo pra pista de dança.
ROG -Quais as fontes em que você bebe para fazer essas conexões?
Makeda – Bom, minhas influências vêm desde referências da musicalidade local, como o frevo, a ciranda, com a rainha Lia de Itamaracá, o coco e o maracatu, até artistas e estilos da música negra espalhados pelo mundo. Tenho muita conexão com o Afrobeat, em que artistas como Fela Kuti, Tony Allen e Ebo Taylor são referência. Cesária Évora, de Cabo Verde. E no momento minha pesquisa tem estado direcionada para estilos afroeletrônicos. Fui buscar isso no Kuduro angolano, assim como no estilo eletrônico experimental do grupo KOKOKO!, pelo qual sou apaixonada. Grupos como Gato Preto, Buraka Som Sistema. Referências da música eletrônica produzida na América do Sul se somam também a esse grande universo, como é o caso de Ghetto Kumbé, grupo que traz ritmos afro-colombianos, com vocais e tambores, mesclados às batidas eletrônicas do Afro Tech. E, pra ficar por aqui nas referências, artistas brasileires da musicalidade negra contemporânea como Una, Isaar, Afroito, Juçara Marçal, Liniker, Xênia França, Majur, Luedji Luna, dentre tantes.