Joao Pedro Mariano e Ricardo Teodoro credito Joana luz
Foto: Joana Luz/Divulgação.

“Baby”: sobrevivência e afetos na noite queer paulistana

Longa-metragem é olhar gentil e reverencioso à comunidade LGBTQIA+

“Baby”: sobrevivência e afetos na noite queer paulistana
4

🎬 Acompanhe a nossa cobertura especial do Festival do Rio.

Baby
Marcelo Caetano
BRA, 2025. 1h47. Drama. Distribuição: Vitrine Filmes
Com João Pedro Mariano e Ricardo Teodoro


Destaque no Festival de Cannes 2024, Baby (2024), dirigido por Marcelo Caetano, é um acontecimento. Poucos filmes conseguem a proeza de transitar tão bem entre a naturalidade do corpo, do gesto, do toque, ao mesmo tempo em que se concebe uma estética formidável para abrilhantar o trabalho de um elenco afiadíssimo. O longa-metragem teve sua première brasileiro no Festival do Rio, com três sessões esgotadas e uma resposta espetacular do público. 

A obra narra os encontros e desencontros na noite queer paulistana, tendo a paixão turbulenta de Baby (João Pedro Mariano) e Ronaldo (Ricardo Teodoro) como fio condutor. Entre programas nos cinemas pornôs e em saunas da cidade, ambos também se arriscam na venda de drogas para o nada confiável Torres (Luiz Bertazzo). Sem qualquer caretice ou visão estigmatizada, o filme embarca o espectador no cotidiano agitado – e perigoso – dos seus personagens. 

Excepcional a maneira como Marcelo Caetano sutilmente desenvolve aquelas pessoas errantes, desesperadamente em busca de seus sonhos e, obviamente, de algum afeto sincero no meio do caminho. Isso fica perceptível na cena onde Baby mostra o corpo cheio de cicatrizes para Ronaldo: há ali uma denúncia clara à homofobia, à intolerância aos corpos dissidentes da heteronormatividade. A sensualidade de cenas mais quentes é menos importante, me parece, que a força do carinho da rede de proteção que envolve aquelas vidas. 

A escolha das locações, combinada à textura das cores da fotografia assinada por Joana Luz e Pedro Sotero, faz Baby se aproximar do cinema urbano de Wong Kar-Wai – recordei especialmente de Anjos Caídos (1995) e Felizes Juntos (1997), obras fundamentais do cineasta chinês. O metrô que passa colado à minúscula habitação, os corpos espremidos na opressora metrópole, a trilha sonora marcante. São convergências muito bem-vindas ao filme brasileiro. 

Baby.
João Pedro Mariano e Ricardo Teodoro em cena de “Baby”. (Foto: Divulgação).

Marcelo Caetano elabora personagens complexos, ambíguos, cujos desejos os guiam, muitas vezes, a infrações sentimentais com aqueles a quem mais se importam. O ciúme de Ronaldo, explosivo e temperamental, demonstra que este não é um cinema de heróis imaculados; na noite das ruas, a luta é pela sobrevivência. Isso fica muito claro, por exemplo, nos corres do performático grupo Close Certo, que busca reconhecimento (e, obviamente, um pouco de grana) dentro dos transportes públicos de São Paulo. 

A produção é beneficiada pela potência do seu elenco. Desde o jovem João Pedro Mariano, que entrega muita energia ao personagem-título, a Ricardo Teodoro, vencedor do prêmio Melhor Ator Revelação em Cannes, até as atrizes do núcleo secundário do filme. Salva de palmas para Ana Flávia Cavalcanti, Bruna Linzmeyer e Sylvia Prado; todas foram capazes de imprimir camadas interessantíssimas às suas personagens, mesmo com menos tempo de tela que o casal protagonista. 

Olhar gentil e reverencioso à comunidade LGBTQIA+, Baby merece toda a atenção que vem recebendo neste ano. O filme já tem data de estreia no circuito brasileiro: 9 de janeiro de 2025. Que tenha sucesso na jornada e chegue ao máximo de salas pelo país, pois sua qualidade e importância são incontestáveis. 

Festival do Rio 2024

+ “As Mulheres da Sacada”: fábula de horror feminista põe o dedo na ferida da misoginia 
+ “Betânia” alegra Festival do Rio com ode às raízes culturais do Maranhão
+ Diretora pernambucana Milena Times lança seu primeiro longa “Ainda Não é Amanhã”
+ “Bird” emprega realismo fantástico para criar delicado coming-of-age em 16 milímetros
+ “Os Enforcados”: eletrizante filme de Fernando Coimbra vasculha as vísceras da criminalidade no Rio de Janeiro