Crítica: Azul É A Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche

movie review Blue Is the Warmest Color
Filme chocou público com cenas de sexo explícitas (Divulgação)
Romance lésbico é intenso e exigiu muito das atrizes (Foto: Divulgação)
Romance lésbico é intenso e exigiu muito das atrizes (Foto: Divulgação)

À FLOR DA PELE
Azul É A Cor Mais Quente explora sexo e desejo em um nível de intimidade pouco visto no cinema

Por Paulo Floro

Azul É A Cor Mais Quente, de Abdellatif Kechiche é, possivelmente, um dos filmes mais íntimos já feitos. O longa foi vencedor da Palma de Ouro em Cannes este ano e mostra a história de amor entre a jovem estudante de 15 anos Adèle (Adèle Exarchopoulos) e a artista Emma (Léa Seydoux). Esse drama erótico, que puxou as atrizes até o limite físico e emocional, transpira uma veracidade que o torna tão belo quanto desconcertante.

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Adèle é uma jovem insegura e comilona que está descobrindo seu próprio corpo e seus desejos. Se envolve com pequenos rolos na escola, mas descobre a paixão ao conhecer Emma, uma misteriosa estudante de Belas Artes que sustenta exóticos cabelos azuis e é bem mais velha. Léa Seydoux, a atriz francesa preferida de Hollywood hoje (ela esteve em Missão Impossível e em Meia-Noite em Paris, de Woody Allen) está bem caracterizada como uma confiante lésbica ‘dyke‘ experiente. É com ela que Adèle passa a viver diversas novas experiências e é introduzida a um mundo distante de sua realidade suburbana e sem muitas aspirações.

Baseado em partes na HQ de mesmo nome criada por Julie Maroh (lançada no Brasil este mês), o longa trata de dois momentos bem distintos na vida da protagonista. O primeiro traz um universo de descobertas e nascimento de um romance. Vemos as personagens despidas de qualquer pudor e conhecemos de perto – bem de perto mesmo – as nuances da relação entre as duas. O segundo traz as consequências de algumas atitudes, péssimas escolhas e as diferenças que não foram resolvidas. O filme é uma tragédia que, como dito por um dos professores de Adèle em determinado momento da história, é algo intrínseco ao humano, inevitável.

Com esse formato, o nome do filme original até faz mais sentido, La Vie D’Adèle – Chapters 1 et 2. Kechiche nos coloca como voyeur da vida de Adèle sem mascarar nenhum momento, por mais constrangedor que seja. Durante três horas, a personagem é seguida sem descanso, seja nos momentos leves e com humor, seja na hora do sexo e até mesmo em atos prosaicos como comer e dormir. O diretor contou com diversas estratégias para captar essas cenas com veracidade, entre elas a de ligar a câmera sem avisar. Em busca dessa naturalidade temos tomadas de dez minutos de uma transa entre as personagens, o que pode causar consternação em muitos espectadores. Foi filmado de uma maneira singela sem ser careta, mas explícito sem parecer algo vulgar.

Mais do que uma boa direção, a entrega das duas atrizes garantiu a força de Azul É A Cor Mais Quente. Tanto que a interpretação de ambas também foi reconhecida com a Palma de Ouro em Cannes. Foi a primeira vez na história que isso aconteceu. Antes apenas o diretor recebia tal distinção.

Kechiche, que é autor do ótimo Vênus Negra, é conhecido por explorar seus atores ao extremo de seu esforço físico e emocional. Para isso os coloca contra a parede em uma experiência sufocante que tira a interpretação desse desgaste. Em Azul… ele aparece o tempo todo como um voyeur perverso que cutuca seu objeto de desejo com o intuito de incomodá-la. A maior parte do filme é mostrado em closes enormes nos rostos e partes íntimas das personagens. A sensação é que estamos o tempo todo ali no meio das duas, sentindo a respiração, os beijos, e claro, as lágrimas (e são muitas).

Esse estilo tão marcante de Kechiche, que rende interpretações que outros diretores talvez nunca conseguissem, rendeu acusações de excessos. A relação que ele tem com sua personagem principal é algo próximo de uma tara. Mas pode ser também apenas um processo imersivo que coloca Adèle como um objeto de desejo não só de Emma, não só de Kechiche, mas de todo mundo. E, ingênua ao seu modo, apenas a própria não percebe essa atração que desperta nas pessoas ao seu redor. E no escrutínio da câmera que está sempre colado nos atores não se posicionar diante desse desejo talvez não fizesse bem ao filme.

Filme chocou público com cenas de sexo explícitas (Divulgação)
Filme chocou público com cenas de sexo explícitas (Divulgação)

A autora da HQ que inspirou o filme, Julie Maroh, chegou a criticar as cenas explícitas de sexo, que segundo ela estavam próximas da pornografia feita para deleite de homens hétero. Duas passagens no longa parecem servir para explicar essa escolha do diretor. A primeira mostra uma visita de Adèle e Emma a um museu repleto de esculturas de nu feminino e pinturas, todas feitas por artistas do sexo masculino. Depois, um galerista e marchand discursa em uma festa sobre o fascínio que o corpo e a sexualidade feminina desperta nos homens – e como isso pautou as artes plásticas por séculos. Azul É A Cor Mais Quente, é, portanto um estudo do próprio Kechiche sobre o sexo feminino e seus desejos.

Ao redor disso o autor ainda consegue explorar diversos outros temas como a diferença de classes sociais e a homofobia, mas de maneira bem ligeira que nos evita a desviar do foco principal: o amor e sexo entre Adèle e Emma.

Será difícil encontrar em 2013 um filme que tenha interpretações tão envolventes quanto esse longa. E ainda que diversas outras produções já tenham trazido histórias de amor parecidas, nenhuma foi explorada com tanta profundidade e proximidade como essa.

azulAZUL É A COR MAIS QUENTE
De Abdellatif Kechiche
[La Vie D’Adèle Chapters 1 et 2, FRA, 2013]
[Recomendado]

Nota: 9,0