AVENIDA BRASÍLIA FORMOSA É DESTAQUE NO JANELA
Documentário de Gabriel Mascaro escapa do lugar comum e apresenta retrato poético de uma das comunidades mais emblemáticas do Recife
Por Alexandre Figueirôa
Editor da Revista O Grito!
Entre as atrações da 3º Janela Internacional de Cinema do Recife, esta semana, um dos filmes mais interessantes da mostra é sem dúvida o novo documentário de Gabriel Mascaro: Avenida Brasília Formosa. Ele foi exibido em diversos festivais pelo mundo afora, inclusive o prestigiado Festival de Roterdã, na Holanda, e a exemplo de seu trabalho anterior, Um Lugar ao Sol, vem recebendo elogios da crítica e despertando a atenção dos aficionados do cinema documental. Mascaro tem se mostrado um artista sensível capaz de nos impressionar com seu olhar original sobre os temas aos quais se debruça.
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Em KFZ-1348 – seu primeiro filme – apesar de certa insegurança na articulação da narrativa, Mascaro já dera indícios de maturidade e perspicácia pela forma como acompanhou a trajetória de um fusca a partir das histórias de seus diversos proprietários. Contudo, ao discorrer sobre o universo dos moradores de coberturas em Um Lugar ao Sol, ele revelou um domínio preciso na abordagem dos personagens e, a partir de uma organização do material registrado, traçou um painel inusitado do universo de seus entrevistados.
O resultado mais instigante do documentário foi desenhar um quadro da desigualdade social brasileira sem recair no recurso usual de dar voz aos grupos marginalizados da sociedade nem aos excluídos. As contradições, os conflitos, as idiossincrasias dos entrevistados vinham à tona a partir do discurso e da postura por eles enunciados. Isto, aliado ao olhar da câmera, cujo ponto de vista era o alto dos edifícios de luxo no Recife, Rio de Janeiro e São Paulo, configurou com maestria o significado do status ostentado pela classe média e a ilusão por ela desejada de poder e domínio.
Agora, Mascaro volta seu olhar para os moradores da comunidade de Brasília Teimosa, bairro que nos últimos anos vem sofrendo uma transformação significativa após a retirada das palafitas erguidas à beira-mar e a paulatina reorganização urbana ao qual a comunidade vem sendo submetida. O local é emblemático na história sócio-econômica do Recife, tanto pelo seu passado de lutas na ocupação da área, quanto pela organização dos seus moradores para continuar lá residindo.
Mais uma vez o cineasta escapou do lugar comum e em vez de recorrer ao formato grande reportagem com depoimentos articulados para contar a história da comunidade, ele constrói um painel poético do bairro. A Brasília Teimosa que emerge da tela é um espaço de desejos, de fragmentos de memória, de pequenos gestos cotidianos desenhados a partir de quatro personagens que nos são apresentados como se andássemos a esmo pelas ruas do lugar.
Um pescador, que foi alocado em outro bairro com a derrubada das palafitas; um garoto, no dia de seu aniversário; uma manicure, aspirante a participante do Big Brother; e um garçom, videasta são o fio condutor desta nova Brasília Teimosa que se descortina, diante do espectador, impregnada por uma curiosa mistura de narrativa documentária e semi-ficcional. Os protagonistas interpretam a si próprios e desempenham seus papéis sem traumas ou hesitações. Se por vezes eles parecem representar, em determinados momentos eles assumem uma naturalidade espantosa diante da câmera que, por outro lado, evita explicações pré-estabelecidas e apenas os acompanha.
A engenhosidade do filme reside justamente na escolha destas figuras e, neste sentido, Fábio, o videasta, é um achado formidável, pois ele torna verossímil a desenvoltura dos demais face à mediação da imagem que o documentário estabelece. Também o processo metonímico da narrativa é fundamental para tal eficiência. A forma como os espaços, por onde os personagens circulam, é apresentada esboça uma arquitetura visual e sonora orgânica e funcional. Ela concretiza em nossa percepção a representação imagética de uma realidade fílmica cuja correspondência tanto pode remeter ao bairro real incrustado na bacia do Pina, caso o espectador o conheça, quanto ao espaço simbólico de uma comunidade de classe média baixa que simplesmente toca a vida, para quem nunca ouviu falar de Brasília Teimosa.
Por essas razões e pela beleza e sinceridade das imagens, Avenida Brasília Formosa é um filme incontornável.